segunda-feira, 30 de novembro de 2015

O homem de duas faces 4 - A hierarquia primata

Sobre a estrutura e dinâmica do grupo a que se chama "família".

Continuando com às reflexões que tentam entender a formação do indivíduo pela família cabe agora entendermos a estrutura hierárquica familiar, o papel primordial de cada membro, o papel esperado por cada membro com relação ao outro e às consequências dos seus comportamentos.
Parto do princípio baseado na inferência (minha) de que a estrutura do grupo (família) é relativamente comum a todos da espécie primata e que o homem tem, programada em si, esta estrutura e a sua dinâmica como um eco que ressoa na sua história evolutiva.  Mudamos como espécie mas guardamos conosco aquilo que permitiu que chegássemos até aqui.
Partindo deste princípio vou, inicialmente, traçar um paralelo entre a estrutura familiar humana e a estrutura de alguns grupos de primatas, mormente aqueles que mais se aproximam do homem.
Isto visa deixar claro a situação ambígua em que se encontra o homem em função do conflito gerado pela dualidade razão/instinto.
Logicamente não pretendo me aprofundar em detalhes de cada espécie.  Vou ater-me às características comuns a todas às espécies "generalizando" ás idéias.
Desta forma, comparo a família humana e o grupo formado por nossos parentes primatas da seguinte forma:

Humano ------------ Primata
Pai =       Macho dominante
Mãe =    1°Fêmea do harém
Filha =    Fêmea secundária
Filho =    Macho satélite

O homem vê a família de duas formas conflitantes, a saber :
Instintivamente e guiado pela sua herança evolutiva ele vê na família um grupo movido pelo automatismo natural;
Racionalmente ele vê a família como algo que deve cumprir com os "deveres" que, a seu ver, são aqueles que lhe trarão vantagens.
Portanto,  todo membro da família está dividido entre "aquilo que deve ser" do ponto de vista da natureza e "aquilo que eu quero que seja" do ponto de vista da sua limitada racionalidade.
Ora,  este é um conflito terrível já que, aquilo que é designado pela natureza existe anteriormente ao advento do homem ao contrário da sua recente razão logo, a gigantesca e exuberante natureza tende a dominar o homem que, movido pelo cansaço da luta, frequentemente sucumbe a dominação dela e age contra a razão ou a favor daquela que o domina. Assim sendo, cada membro da família luta para manter o seu lugar e luta para ascender na hierarquia (instintivamente) e, ao mesmo tempo tem que manter uma atitude civilizada com relação ao outro, atitude essa dirigida pela moral que "determina" os comportamentos e uma ética frágil que tende a se romper o tempo todo.
Assim seguem os humanos cambaleando em dois caminhos ao mesmo tempo.
Como já disse,  cada membro da família procura, além de manter o seu "status", ascender na hierarquia familiar contestando o direito do outro a sua posição. Assim o pai (macho dominante) lutará para manter a sua autoridade (posição e poder sobre todos) e verá qualquer outro macho (filho, genro ou agregado) como uma ameaça e como um adversário possível.  Trava-se, desta maneira,  uma constante luta entre eles e há uma constante tensão que precisa ser aliviada.  Assim, o pai tratará o filho com carinho mas, usando o argumento de que o prepara para a vida dura que terá um dia, (guerreiro, lider, homem de sucesso), o trata de forma mais dura de forma a deixar evidente a sua "superioridade".
Já o filho se dividirá entre o amor ao pai e o desejo pela sua posição.  Ao filho cabe o dilema racional de amar e o irracional de matar.  Aliás,  creio que o que leva o filho a desejar a própria mãe não seja apenas o fato de garantir para si o cuidado e o carinho que, teoricamente, deve dividir com o pai. Imagino que o filho veja a mãe como a representação da "coroa" do pai. A mãe então seria aquilo que, para o pai, é mais caro e seria uma representantes da sua autoridade.  O filho, desta forma,  desejaria ter a autoridade do pai de forma efetiva ou na forma daquilo que a representa. Isto seria o princípio da imitação pelo filho das atitudes do pai como forma de se apropriar da sua autoridade.
Na natureza esta infinda e constante luta pelo domínio do grupo garante a troca do macho mais velho e menos apto por um mais jovem e forte, preparado para manter a segurança e a perpetuação da espécie.

Com relação às mulheres da família ou às fêmeas do grupo o pai/macho dominante tem, também,  percepções ambíguas.
Racionalmente e contido pela moral produtora de culpas o pai distingue bem entre mãe e filha.  Neste estado, para ele, a mãe ou esposa é a companheira que o auxilia a implementar o projeto familiar. É aquela com quem ele compartilha a construção e manutenção do lar.
Já a filha é aquela a quem ele deve proteger e educar.
Mas fora do jugo da razão e da moral o macho dominante/pai vê às fêmeas do grupo como propriedades do seu harém.  O sentido de posse daquelas que lhe oferecem a possibilidade de perpetuação da espécie é muito grande.  Ele terá ciumes e lutará para manter o seu domínio sobre elas.
Teríamos paz se o homem fosse apenas racional ou irracional mas ele vive estes  estados ao mesmo tempo.  Dois estados opostos e conflitantes.
Creio que os abusos, principalmente sexuais, praticados pelo pai se dão em função das distorções geradas pelo conflito entre Eu racional e Eu irracional.  Estas distorções deslocam os limites naturais e morais levando a comportamentos anômalos.  Desta forma,  estes comportamentos seriam originários do sofrimento do homem frente a um conflito que, em função da sua "ignorância" com relação às dinâmicas da vida, parecem insolúveis.  Isto pede a nós muito cuidado ao incutindo a culpa por comportamentos paternos perniciosos aos filhos.

Falemos de nossas mães.
A mãe racional vê os filhos como obras de arte saídas do seu ventre.  Esta talvez seja a origem do termo "amor visceral". A mãe racional amará e cuidará dos seus filhos desejando-lhes o melhor.
Já a mãe, guiada pelo inconsciente irracional, ouvirá a natureza e tenderá a procurar o macho mais apto e desejará o filho quando ele estiver preparado caso o pai não seja eficiente no seu papel de macho dominante. É o complexo de Édipo ao contrário.
Com relação a filha, a mãe rivalizará inconscientemente com ela para manter a sua posição hierárquica.  Ela competirá com a filha pelo apreço do pai.

Imagino que a natureza criou este modelo de agrupamento e sua hierarquia por ser o mais eficiente para a perpetuação e evolução da nossa espécie.  O macho parece ter um papel mais proeminente por ser ele o protetor do grupo.  Aquele que garante a sobrevivência.  Aquele que cria o ambiente propício a produção de novas vidas.  Caberia a mulher ou a fêmea o papel, tão importante quanto, de núcleo gerador.
Imagino que está reflexão deixe claro a ambiguidade dos comportamentos humanos em face da dualidade razão/instinto, motivo da enorme angústia e culpa que assola aos humanos. Quero criar com isso um ambiente que, a partir da reflexão e debate sobre a trágica dinâmica familiar, se possa caminhar para a aquisição de capacidades que permitam a resolução de conflitos íntimos ou coletivos objetivando a libertação do indivíduo e a sua emancipação. 
Não ignoro o pesado muro que os traumas criam impedindo esta libertação e nem a resistência a vencer a inércia que nos impede de tomar ações efetivas para tal intento. 
Mas entendo que é preciso começar.
É preciso coragem para sair do estado de latência e auto piedade e encarar a vida como algo passivel de mudanças.  É urgente que se perceba o sofrimento como componente indissociável do viver e que se o abrace como a um aliado no processo evolutivo libertador.
É preciso observar, aprender, entender e perdoar.

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