sábado, 31 de dezembro de 2016

(31/12/2016)

Hoje abri armários e gavetas.
Deixei sair os fantasmas anuais
E seu séquito de lembranças,
Remorsos e dúvidas ancestrais.

Abri velhas pastas de conteúdo conhecido e incerto.
Cada papel trás um momento,
Uma encruzilhada numa estrada
Que poderia ter me levado a outro
Lugar.
Ou ao mesmo deserto.

Onde estaria eu se tivesse me negado?
O que seria de mim agora, se
A demora fosse pouca?
Ou, se muita, quanto seria?
Tomaria, eu, o caminho errado?
Ou o certo reconheceria?

Quantas presenças adiei? ( penso
Enquanto uma velha fotografia
Cai aos meus pés.)
Quantas desprezei e hoje me
Arrependo.
Quantas perdi ou me perderam
Por um ou outro insano revés?

Penso, rumino e peço perdão às paredes.
Separo aquilo que já não me dá
O prazer masoquista da dor.
Guardo aquilo, e apenas aquilo
Cujo perdão ainda não veio.
Fecho às portas dos armários,
Me visto para às festas
E vou semear mais um campo
Com novas saudades.

quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

Novissimo die

Não existe o tempo,
Esta humana criação
Que me tira o sossego
Com o som do carrilhão.

Mas, ao inferno com a métrica,
Porque a métrica
Também é criação de homens
Que,
Cheios de labores,
Escondem, nas suas criações,
Medo, covardia e vaidade.

E voltemos ao tempo.

Que não existe, eu juro,
Mas que ruge como e,
Com o vento por trás do
Muro,
Que esconde o campo
Onde me confino
Com o fim de me esconder
Da morte,
Que, quiçá, virá do norte...
Que também não existem.
(Nem a morte e nem o norte)

Insisto então,
Para que,
Para quem e,
Porque o tempo
Que me torna um
Anão
Diante de tão grande instância?

Acho que estou me repetindo
E você perde tempo
Lendo tão insanas conjecturas,
Mas, ao perder algo que não existe
E que, em existir insiste
Apesar do pesar e da impossibilidade,
O que procuras?

Não ha mais tempo,
O passado é memória,
O futuro é hipótese.
Só no hoje há a glória
Da construção do agora
Que, no futuro se tornará...
História.

Feliz ilusão do ano novo.

E que em 2017 o amor dissolva o tempo.

Estigma

Sou alma antiga
De princípio,
Não fim.
Sopro que o universo
Abriga.

E, em meus caminhares
Vivi e morri,
Por mãos de
Inumeráveis algozes.

Obtive, usei e devolvi
Incontáveis vestimentas.
Impunhei sem número
De punhais.
O chão de mil terras
Fendi.

Tudo sempre foi
Transitório
Como o trânsito
Entre vidas.
Glória do inglório.

E o sentido de tudo
É tão longe!
Como longe é,
A fé
Do herege.

Mas desde que,
Da chama divina
Me fiz,
E desde quando
Os Deuses teceram
A minha sina,

Eu amo amores
Que nunca devolvi.
E os escondi,
Onde, de demônios,
Jamais se ouvirão
Invocações,
é clamores.

E, dentro de um vaso dourado,
Dentro do meu coração,
E lacrado,
Entre tantos e tantos
outros amores....

Está o meu por ti...para
Os confins dos séculos
E séculos,

Amém.

segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

Vinicius

Que o poeta não se zangue mas,
Eu discordo...
Não é preciso viver um grande amor.
Todo amor deve ser grande,
E todo amor deve ser o grande
Amor dos vários grandes amores
De uma vida.
Deve haver o desejo de numerosos ou,
Insanamente infinitos em número.
E digo mais!
Todos devem doer muito e devem
Prover a possibilidade de se
Infringir dor, pois todo bom amante
Deve ser sádico e masoquista.
E reitero!  Que não se espere, no amor, a felicidade como conquista.
O amor, o verdadeiro amor, deve
Trazer noites mau dormidas,
Ciumes abruptos e irracionais,
Encontros às escondidas.
Todos os amores serão abrasadores,
Ao ponto de nos arrancar a pele,
E deve nos dar os prazeres da
Carne viva,
Para que cada brisa seja sentida
Como um furacão.
E todos os grandes amores de uma vida
Devem ser uma sucessão,
de sustos.
Amor tranquilo?  Vã ilusão,
Ou triste desperdício!
O amor, para ser amor, deve nos dar
A eterna e irresponsável adolescência.
E o sofrer como impulso para a
Doce e inexplicável dependência.
Amar é ferir-se por amor a ferida. 

quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

Oniciente

E me sentei sobre uma pedra
E o mar em rebentação
Mostrou-me a vida numa tela,
Feito uma vela de uma   
Velha embarcação.

E na imagem a minha frente
Vi muita, muita gente
A sentir dor e a fugir.
E passei a inquirir sobre
O porquê daquela existência
De prazer e dor?
Então uma voz me respondeu,
"Experiência! "

E é isso que a vida me dá,
E ai está,
O seu sentido.
O sentido da vida é me dar
Experiência.
Para que tudo o que posso evoluir,
Estando em latência,
Venha a emergir.

Assim, mostraram-me às ondas,
Que tudo o que é em torpor
Torna-se em atividade com
O prazer e a dor
E mesmo a passividade,
Em verdade, está prenhe de labor util.

Nada, nada é fútil.

E o sal do mar, alma das marés,
Ao tocar os meus pés me mostrou
Que sou viajante movido por eventos
E, assim como os ventos que
Levam a embarcação,
Movo-me sempre em frente
Na evolutiva direção e,
Jamais a deriva.

E os cardumes e revoadas de
Espécies marinhas
Me mostraram o modelo de
Agrupamento
No qual comigo viajam
As amadas almas minhas, às quais,
Algumas eu levo pelas mãos
E outras pelas mãos me levam
Em ascese e continuo movimento.

Percebi, então, que é inútil a tristeza,
E para ela não há sentido pois,
Por mais vidas que se tenha vivido,
Estaremos sempre juntos, com certeza.

Jamais nos perderemos.
Eternamente viajaremos pelo
Tempo, matéria e espaço,
Como que unidos por um laço
Do mais fraterno amor.

Assim, não chore pela sorte
Daqueles a quem a irmã morte
Aparentemente levou.
A morte é uma porta que se abre
Para novos mundos que o
Nosso Deus criou. 

A morte? A morte é uma amiga imaginária!

sábado, 19 de novembro de 2016

Formiga

Uma crença,
Mais uma.
Uma palavra,
Outra dança,
Outra valsa,
Outra moda,
E a saudade
Da valsa falsa,
Da que já foi.

Outra opinião
Oposta à de ontem.
Outra idéia
Esquecida.
Uma refeição,
A última
Antes da próxima
Doída fome,
Da doce rima.

Outro dia
De tantos
Dos quais
Um foi
O primeiro.
E virão outros
Mais
E prantos
Para prantear
Idos,
Findos e finados.
Todos tem
Os seus dias
Contados.

Todos caminham
Pelos caminhos
Onde caminha
O universo.
Só eu e você
Somos o inverso,
Parados, olhando
Às formigas
Que passam
Alheias ao fim
Dos ciclos
Que recomeçam.

Só a percepção
Da infinitude
Leva à poética
Atitude
Ou hipotética
Ação.

sábado, 12 de novembro de 2016

Obstáculo

Desejo e vivo da energia do desejo.
Mas não peço.
O braço pesa e a mão não se estende.
Doce negação.
Digo a mim mesmo não.
Sinto o prazer da saudade
Daquilo que me fez bem
E vou além,
Fujo daquilo que amo.
É urgente à humildade
E o doloroso dobrar de joelhos.
Atrás das paredes eu clamo
Pelo amor que me falta.
Mas lá fora me espera
Aquilo que exige a máscara.
Algo feito de matéria
Que ignora a alma.
Estou congelado de
orgulho e pedir um afeto
Desperta a desonra.
Envolto em minha miséria
Feito mortalha espero
Que passe o mundo
Enquanto fico eu e o tempo.
Me sobra o esperar pela
Vida eterna
Com os pés mergulhados
Nestas frias águas.
Onde me dissolvo aos poucos
Por não chorar.

Siameses

É só isso.
Estamos grudados
Um no outro.
E nunca poderemos
Ser separados,
Pois bate em nós
Um único coração.
Triste é o desejo
Que um dia tivemos
De não mais nos vermos.
Absurda ilusão.
Somos calmos quando
Aceitos um pelo outro
E condenados ao perdão.
Sufocamos se acaso um não respira.
E a fome nos move
Ao mesmo tempo.
Nos ameaça à vida,
À mentira,
De que é possível
Levar apenas um, a irmã
Morte.
Temos uma e a mesma sorte.
Em comum temos, os
Mesmos sonhos,
Que a distância associada
Ao tempo principia.
E sofremos da mesma ânsia,
E da mesma pressa,
E do mesmo incomodo
Desejo,
De iniciarmos uma nova vida,
Com o, desta vida,
Último beijo.

quinta-feira, 10 de novembro de 2016

Ansiedade

Ha um futuro que me preda.
Insaciável em coisas que não existem.
Histórias que resistem
Como um gigante, à queda.

Habito um corpo em movimento.
Perene constância,
Infindável ânsia,
Masmorras de pensamento.

Tantas inominaveis memórias.
Orda de horríveis fantasmas.
De medos inenarraveis,
Insuportáveis miasmas.

Movo-me à esperanças de sono.
Descanso e imobilidade.
Da infância me sobra saudade,
Quando de mim era dono.

Deuses apascentem a alma
Da criatura sem sorte,
Que vê com desejo a morte
Como princípio da cobiçada calma.

domingo, 30 de outubro de 2016

Mozart

Tu és inútil sem o álcool.
Tua obra divina
Não é dedicada ao físico.
Sois incompreensível
À carne.
Pobre carne que está
Condenada a ser prisão!
Não haverá e não deverá
Haver ouvidos materiais
Que te compreendam.
Nenhum animal te ouvirá
Realmente em vida.
Sois divino a ponto de
Não pertencer ao meu corpo.
Pobre de ti que não es
Efetivamente ouvido em vida.
Pobre de mim que só posso realmente ouvir-te
Ebrio ou, morto para a matéria.
Contente-se então, para compor
Para os que já morreram.
E eu esperarei a morte
Para ouvi-lo ou a fermentação do vital
Vinho.

(Escrito sobre os efeitos do álcool)

Sobretarde

Um dia sentar-me-ei
Numa cadeira,
Em minha varanda.
E um poema comporei
Como uma ciranda
Com rebuscadas palavras
De velha vaidade.
Coisas da idade
De quem quer exibir aos netos
A sua necessidade de
Afetos
E o orgulho de suas lavras.
Um dia assistirei, imovel,
O dia a dia e o andar apressado
Daqueles que inda não tem
O dever cumprido
E nem vislumbram a vida
Como passado.
Mas já constroem o remanso
E pressentem no futuro
Merecido descanso.
Um dia não serei necessário.
Já não me farão arrimo.
Serei peça de relicário,
Repositório de um nome.
Nobre patriarca guardião de memórias.
Contador de histórias
Que ainda acontecerão.
Num não demorado dia
Serei nome feliz, gravado em pedra.
E dirão que ali jazia
Alguem cujos feitos não são
Lembrados,
Mas os efeitos ainda são sentidos.
Um dia terei sido.

terça-feira, 4 de outubro de 2016

Sopro

Uma gota de chuva
Um grão de areia
Uma folha que cai
Uma brisa no deserto
Doce, salgado, azedo
Quente, frio e o vento
Uma aurora qualquer
E o por do sol que não vi
O som das asas de um pássaro
Que passou por mim
A mesma estação de sempre
Que nem percebi
Horas, minutos, segundos
Que se esconderam de mim
Gente indo embora
Gente chegando
E eu esperando carona
E um dia melhor
E a morte da saudade
Tudo que não fiz
Mas prometi fazer
Um carinho
Uma refeição
Um banho
Um suspiro
E morremos.

segunda-feira, 19 de setembro de 2016

360

Quero que a chuva molhe
As vis engrenagens dos relógios,
E que ele pare de vez por toda.
Não quero mais o tempo
Que envelhece minhas carnes.
Nem dos muitos anos, os elogios.

Não quero saber a próxima hora
E o dia de amanhã e o dia de sempre.
Quero sim, o dia e a noite,
Referências de labor e descanso.

Que, sob forte vento sul,
Rasgue-se o calendário.
E que o carrilhão diabólico venha abaixo.
Não quero a inútil hora pra nada
E nem o amargo  e inútil "aniversário".

Que o sol do meio dia
Retorne para o leste
E que o oeste seja esquecido.
Que seja eu esquecido pelo tempo
E que a ampulheta se cristalize.

Abaixo o tempo que desperta a morte,
E aproxima os finados corpos da terra.
Desmembre-se máquina que a ilusão encerra
E encerra, do finito homem, a sorte.

Porque atemporal eu sou,
Fustigado pelos ponteiros.

quinta-feira, 15 de setembro de 2016

Doce

Ver a luz pela primeira vez!
Cheiro da pele da mãe,
A voz grossa do pai
Conforto e calor.

Primeiro passo
E primeira picada de marimbondo,
Primeira dor sentida,
Abraço e amor.

Mexer com terra e água,
Lama e gravetos,
Pedrinhas e latas
E os cheiros dos corpos.

Descer ladeiras correndo,
Ao sabor dos ventos
E frutas do mato.
Joelhos e cotovelos ralados.

Medo de perder a mãe,
Medo e raiva do pai,
Palmada por "marcriação"
E tantos "nãos" calados.

Primeira paixão na vida,
Tanta dor e perfume,
A primeira realidade doída,
E a infância se vai.

Hoje a criança dorme um sono leve e deseja acordar...em breve. 

quarta-feira, 14 de setembro de 2016

Espinho

Sozinho eu me percebo
Num jardim infinito
Cercado de águas e pássaros,
Eu me basto.

Sozinho percebo meus desejos
E tenho com eles.
Com eles movo às alavancas
Que me movem p'ra onde vou.

Me basto na minha solidão,
Amada companheira,
Que o outro tenta afastar de mim
Como um pai ciumento
Afasta o amante da filha.

Só, sou inteiro e vejo inteiro
E iluminado o que me aguarda.
Sou tragado pela irresistível
Completude da vida.

E por falar em completude,
Só quando só percebo a infinitude do meu jardim
Onde também sou árvore.

sábado, 20 de agosto de 2016

Atípico

Acordei com saudades
De uma multidão
Vozes em meu coração
Afinidades

Nomes ecoam nos vales
Dentro de mim
Meus mundos enfim
Meus males

A minha pele arde
Fria
Desejo todos os braços
Que me abraçaram
Um dia

Encerrado num cubo
Minha sala
Sem a palavra
Sucumbo
Num choro que fala

Ao mundo que sinto falta de todos os que amo e que não estão aqui e me arrependo de te-los deixado ir...um dia.

Elemento

Sou pequeno
Minha roupa é maior
Minha casa também
Minha rua
Meu bairro
Minha Cidade
Meu Estado
Meu país
Meu planeta
Minha galáxia
Meu universo
O conjunto de universos
O inacessível Deus
Mas...
Eu existo.

sábado, 13 de agosto de 2016

Et pater liberos

Levantai, filhos meus,
Os olhos da terra,
E olhai para o horizonte,
Que o futuro encerra.

É lá que está o meu desejo
Da tua bem-aventurança.
Coisas que sonhei p'ra vós
Quando éreis esperança.

Ouvis, frutos meus,
Tão rígidos conselhos.
Sigais meus austeros passos,
Tenhai-nos como espelhos.

Pois sou eu portador da lei
E construtor de limites.
Guardai como ouro o que vos digo,
Para que não advenham dias tristes.

Façais das minhas bênçãos
Vossos caminhos
E vossas armaduras do meu labor.
Pois nunca sentirei-vos sozinhos
Se reconhecerdes o meu amor.

Oculto

Ha algo onde não pousam às vistas,
Algo iluminado que se esconde,
Algo que está não se sabe onde,
Coisas, porém,  não previstas.

O real é aquilo que não se percebe.
É o mundo do inusitado.
Aquilo que está ao meu lado,
Mas que minha mente não concebe.

Sou cego para o mundo,
E saber é uma ilusão,
Um sonhar amplo e profundo.

De que me servirá a visão,
Se o órgão que ve tudo
É o obtuso coração? 

Os meus olhos servem para produzir a beleza que eu mesmo crio, Deus que sou.

Shabat

Hoje o tempo é meu.
E o céu azul e as montanhas verdes são minhas.
Hoje é meu o tempo.
Mozart toca para mim
Acompanhado de um coro de passaros  no meu jardim.
Tocam e cantam para mim.
Sentado na minha varanda eu danço,
No meu imaginário mundo.
Hoje eu descanso,
E comigo descansam os Deuses.
E nos esquecemos de pensar.
E nos desviamos do labor.
Mozart e seus pássaros,
Eu e o meu cachorro.
Da métrica também descanso.
Tão óbvio seria se rimasse!

domingo, 7 de agosto de 2016

Cadeira

Na minha cadeira tem eu...
E o meu cansaço
Minha preguiça
Desejo de abraço

Tem o pássaro que passa
E a nuvem branca
Antigos amores
E a chuva franca

Tem muita saudade
De coisas antigas
Eternos remorsos
De infindáveis vidas

Na minha cadeira ha o tempo
Que passa sentado
Porque tempo não passa
Mas eu sou passado

Na minha cadeira tem eu...
E os meus desejos
Minhas nostalgias
E um livro de Drummond.

Varanda

Adoro o dia
Com às suas horas perfumadas
Pássaros em revoadas
E o piso que piso

Amo a árvore que mora comigo
E às suas folhas secas
Presente de outono ou primavera
Cheiro de flores frescas

Me regozijo com às montanhas
Que desfilam por minhas janelas
Maquiadas de nuvens e névoas
Merecedoras de aquarelas

Sentado na minha varanda
Sou rei do mundo
Útero fecundo da minha imaginação
Sou, de tudo, a raiz
Que prende tudo ao chão

Tudo é bom visto da minha varanda.

quinta-feira, 4 de agosto de 2016

Música

Ontem o meu amor me deixou
Foi viver numa ilha
Naufragou no caminho
Encontrei os restos na praia

Alguém me ligou a tarde
Não atendi, vingativo
Não me importei, furtivo
Fingi, não fiz alarde
(Foi engano)

Encontrei uma antiga fotografia
Apologia ao tempo perdido
Ode a escolhas erradas
Comuns ao dia a dia

Meu sonho era ser poeta
Impediu-me a alegria
Porque todo poeta é chato.

Autômato

Eu repito tudo
Tudo retorna
E se recolhe
Tudo volta a ser

A hora de ontem
Hoje se repete
Assim como o mês
Com seus trinta dinheiros

Um homem crucificado por dia
Outro amor que morreu
Outra guerra se inicia
Alguém nasceu ideologia

Funerais e aniversários
Casamentos e partos
Roupas e sapatos
Páginas de obtuarios

Amanhã acordo cedo
Depois de amanhã também
Hoje completo mais um ano
E de novo ano que vem

Tudo eu repito
Como a superfície da roda
Como o giro dos astros
Como eu no espelho
A mim mesmo imito

Infinitamente.

quarta-feira, 20 de julho de 2016

Médio desejo

Abro a janela a espera do sol que não ha.
Da brisa que não está.
De um não existente olhar
A me olhar com ternura.

Congelado eternente na noite escura,
Na minha pétrea e fria rua.
Na minha pele limpa e fria,
Tão carente de abraço.

Procuro ouvir cada passo
Que ecoa a minha volta.
Esperando o grande amor
Do qual nunca estarei satisfeito.

Procuro cá dentro do peito
A morada de desejos,
Gênesis de mágoa e dor.
Quisera torna-la em cinzas.

Tantos são esses desejos.
Movem-me torto pela vida.
Quisera ser eu o desejo,
E o desejo a desejar-me.

quarta-feira, 6 de julho de 2016

Códigos

Acho que não te contei a novidade
Ou aquela velha anedota
Você me ligou?
Pensei que fosse
Quer me contar?
Viu quem morreu?
Como está a sua mãe?
O amor é a apoteose de todo desejo satisfeito!
(Tentando te impressionar)
Bom dia!
Boa tarde!
Boa noite!
(Pensando)...
O que estará acontecendo agora?
Quem sou eu?
Onde estou nessa história?
Está chovendo aí?
(Duas horas depois...)
TÁ.
Frio né? ...muito frio.
Oi!  Estou por aqui se precisar.
Tomara que precise.
Já almoçou?
(Na hora do jantar)
Já.
To rindo aqui. ...
Ah se ciumes desse dinheiro!

Pequeno desejo

Estou ouvindo jazz
Um piano melancólico
Música sem destino
Esperando o telefone tocar
Ou o remorso te tocar
Ou a memória acordar
Em você uma lembrança minha
Espero ouvir a tua voz ao som do piano
Mentindo sobre você
Regada ao meu vinho predileto
Papo reto
Moderninho
De gente bem resolvida
Que não sou
Queria ouvir a tua voz
Ao som de um piano melancólico
Cantando. ...
Amor. ..acorde
Foi só um sonho ruim.

É doentio esse prazer em ouvir e alimentar mentiras.

terça-feira, 5 de julho de 2016

Segunda feira

Hoje o dia foi duro.
Os Deuses tiraram folga.
Os anjos perderam a hora.
Os ouvidos se fecharam.
A palavra não significou.
Meus amigos se foram.
Perdi um grande amor.
Descobri o amor sem desejo,
E os espinhos das mágoas.
Vivi mil lutos,
E não vi o sol.
Chorei sem esconderijo,
E riram das minhas humanas lágrimas.
Porque não eram humanos.
Hoje não teve açúcar,
E o sal foi amargo.
E houve um nò na garganta
Ao invés do "bom dia".
Hoje estive de ressaca
Do grande porre de remorso.
Vinho azedo de segunda.
E o poeta não veio
Pois lhe faltaram palavras.
Perdi a mulher.
Meu cachorro fugiu.
O carro não pegou.
Tive um pesadelo
Onde eu nascia na mesma vida
Para viver às mesmas coisas.
Hoje fez frio e esqueci o casaco.
Errei o caminho.
E amanhã será terça feira.

terça-feira, 28 de junho de 2016

Ovos mexidos

Bêbado e feliz eu digo:
Bem dito seja Baco,
E todo vinho
De toda espécie.
E bendito seja o cheiro de
Forno quente num dia
De inverno que exala
Da panela.
Estou ébrio de vinho,
E do cheiro do teu sexo
Num sábado de manhã.
Bem dito seja o teu hálito
De hortelã.
E a sua pele temperada pelo tempo,
E a sua roupa,
Tão característica,
Tão amassada.
Bem dito seja o cheiro do café
E o som da sua voz a elogia-lo.
Bem ditas sejam às horas
Que nos beneficiamos
Com às nossas presenças.
Bem dito seja o chão que
Pisamos juntos.
Que deles floresçam toda
Vida vegetal e às suas curas.
Bem ditos sejam os espermatozóides
Do meu pai por terem me deixado passar
Para que, um dia, eu pudesse amar você.
E que nunca, em nós, falte sal e pimenta. 

Bem dito seja baco e todo vinho de toda espécie.

segunda-feira, 27 de junho de 2016

Luto

À zero hora você se foi.
Ao som de um exagerado não,
Seguido de imperceptíveis pequenos nãos,
A volta do teu santo nome.

Às cinco horas adveio o fogo
Voraz e tempestuoso seguido do teu pecaminoso nome
E ouvi de mim maldições e inúteis ameaças
Contra o meu próprio desejo.

Às dez fui ao mercado ter com Deus
Ou com qualquer divindade.
Queria trocar qualquer coisa
Por teu valioso nome.
Ouro que escoa entre ósseos dedos.

Às quinze me vi sozinho e nu.
Criança cuja mãe ficou louca
Ou morreu de amor me negando o seio.
Ou cujo pai foi à guerra.
Eu e o nada, nada eu.

Às vinte abri uma janela sem perceber.
E fez-se a luz.
E me fiz espírito pairando sobre os mundos
Num trocar de lugar num sonho.
E recebi meus amigos
E entoamos hinos fúnebres alegremente.

Agora vou dormir o sono dos amantes,
Pois a hora é chegada.
Quero acordar no jubiloso dia
Onde vencerei a morte,
Seja do amor ou da carne.
E não haverá despedida.

Em memória de tudo o que morreu contra a minha vontade.

sábado, 25 de junho de 2016

Intraduzível

Eu dentro de mim
Caminho,
E ouço os ecos dos meus passos.
Caminho
Por veredas que vou construindo.
Caminhos
Impostos pelo passado,
Cujo pecado
Foi, passivo,  ter aceito .
Caminho.
E  converso comigo
Um discurso que eu não escrevi.
Caminho
E desejo .
O desejo é o caminho,
E o que move o caminhar.
Caminho,
E lá fora ruge aquilo que não é ideal.
Caminhos conflitantes.
Caminho só.
Eu e alguém que mora em mim.
Vil inquilino que me deve
O valor da morada.
Caminho só e caminho.
Caminho
Em direção à noite
Que me espera lá fora.

terça-feira, 21 de junho de 2016

Nec mater

Teu amor é corrente que prende os meus pés.
Doces grilhões de calor e leite.
Todos os dias te sepulto
Um pouco, um átomo.
E um pouco me esqueço
Do que és.
Mas todos os dias ao ninho torno
Para desafiar-te:
Abandona- me de vez!
E na sua imensidão absoluta
Ris de mim, criança.
Toda mulher ès tu.
Queria que fosse Madalena,
Não Marias.
Queria possui-la sem
Que fosse eu herege
Apenas no meu mundo.
Todos os dias procuro o
Seio que me negas.
Excluído, tento excluir a fome,
E tento viver e adormecer
Sem a tua voz que me embala,
Brisa suave no calor desértico,
Raio de sol no frio glacial.
Todos os dias te sepulto
Um pouco fora de mim,
Mas das tuas cinzas e
Das minhas lágrimas renaces.

Retorno sempre ao eterno retorno.

quarta-feira, 15 de junho de 2016

1.440

Meu primeiro pensamento
O calor da tua pele
E a primeira ausência
O primeiro lamento.

Procuro alguma memória boa
E ressoa o teu nada sonoro,
O tempo me impele
Nas brumas de sonolência.

Desejo o sono eterno que me protege
Do seu não estar,
De um doloroso acordar
Sem você aqui.

Digo em mim o teu nome como um herege
E o desamparo guia os meus olhos
A procura de formas que me levem a lembrar
Da tua imagem.

Ando a ver miragens,
Imagens de passados tempos
Que desejo fossem futuros
E não escuros anseios.

Procuro-te por toda jornada
Do sol, sobre mim, implacável
Espera fiel e irredavel
De um aceno de ti, amada.

E finda à vida do dia
E vindo tua morte, a noite
Desejo o sonho que torne
O nada em tudo
E o tudo em nada.

Eu inconsciente

Um vasto deserto com várias portas.
Dentro de mim voam areias,
Memórias que batem janelas de cômodos que nunca visitei,
Mas onde já vivi.
Deserto que sei, cheio de gavetas trancadas.
E às chaves às tenho.
São imagens difusas,
Desfocadas.
Fantasmas de areia que me assombram
E pelos quais ergo muralhas de ilusão e medo.
Imagens e sensações.
Um oásis, manancial de luxúria, me segue de longe.
Nunca o alcanço, miragem.
Um grande deserto de areias memoriais.
Lá está o momento em que me percebi.
E me tornei anjo caído por ter desejado o sexo maternal,
E por ter o parricídio como lema.
Eis-me diante do infinito deserto meu.
Gigantesco e distorcido espelho.
Nele me vejo em sonho
Ou naquilo que não me lembro.

segunda-feira, 13 de junho de 2016

Moto-perpétuo

Invente, alguém atividade,
Que possa, eu, pratica-la
A fim de, à vida, esquece-la
E esquecer, assim, a saudade.

Da-me, ó Deuses, o movimento
Eterno e alienante,
Que apague, em mim, todo o instante
Que possa lembrar sofrimento.

Corram pés meus, corram!
Batam com força o chão
Façam de cada passo um NÃO
Às mágoas que, em mim, 'inda choram.

Mova-se corpo, de sorte
Que não haja nunca mais lembrança
E que viva em mim a esperança
Do breve abraço da morte.

Não hajam, então,  mais amores
E que torne-me, eu, vazio
Que possa viver o estio,
De tempestades de paixões,
E dores.

Amar é auto flagelar-se.

sábado, 4 de junho de 2016

Aokigahara


Estou indo para a floresta de Aokigahara,
Fria, aos pés do vulcão,
Com os pés descalços
Calçados com culpas.

Onde esculpirei em suas pedras frias
Uma apologia ao fracasso,
Coberta por verdes musgos.

Vou morar nas cavernas de Aokigahara,
Eterno inquilino das montanhescas entranhas.

E me vestirei do gelo de Aokigahara,
Ultima veste de alguém sem corpo.

Andarei pelas trilhas escuras de Aokigahara,
Falando aos atormentados espíritos
Das causas não físicas das tormentas.

Serei lembrado pelos feitos em Aokigahara
E lentamente serei esquecido,
Como me esqueci ainda em vida.

Aokigahara é a morada daqueles que viveram sem
Nunca terem nascido.
É onde ha sentido
Para vidas sem sentido.

quinta-feira, 2 de junho de 2016

Definição

Qual o tamanho dos meus passos
E onde posso chegar
A envergadura dos meus braços
E a quem posso abraçar

Quanta luz ha nos meus olhos
E o que posso ver
Qual o tamanho da dúvida
E o que posso saber

Qual a minha utilidade
Que define o que sou
Quantos são os nortes
Que me levam onde vou

Quem sou eu
E quanto sou
E quando sou
O que é meu

Quanto eu amo
E devo amar
A quem amar
Amo aquém.

Defino ou serei devorado.

quarta-feira, 1 de junho de 2016

Cobiço-te

Angústia de amor infinito,
Te amo por tua beleza
E dedico-te minhas tempestades hormonais,
E toda insônia desejável
Em prol de aproveitar-te.

E em torno de ti gravito.
Admiro-te toda riqueza
Formas, curvas e linhas
Imutáveis, atemporais.
Do próximo ao inatingível,
Desejo de possuir-te.

Amo o solo que tocas
E a saliva doce da sua boca.
Amo-te desvairado,
Como se fosses unica.
Enciumo-me dos teus olhos
Que vêem tudo, além de mim.
E desejo ser o centro do teu centro.

Não quero perder-te de vista e de posse.
E tudo do teu mundo quero perto.
E nem por um momento
Sequer que fosse,
Estarei, eu, por outro objeto, desperto.

Amo-te?
Meu Deus, não!
Te invejo.

segunda-feira, 30 de maio de 2016

Seara

Semeio às sementes do meu amor em terras...
Às vezes áridas, e delas não brotam flores...
Árida é a minha alma enquanto rego desertos com lágrimas...
Seca-se o manancial a custa do tempo...
E a custa do riso morto num menear...
Eu semeio os pedaços dos meus tesouros...
A espera de tesouros maiores...
Ilusão pobre e egoísta!
Eu ofereço afetos às pedras frias...
Que, por frias, exercem a sua utilidade...
Não se colhe assim a felicidade...
Odres de vinagre e taças vazias...
Pobre bobo que à corte alegra!
Pobre jardineiro que oferta sementes!
Não sabem, como não sei...
Que apenas ao amante o amor pertence.

Amai-vos uns aos outros como eu me amei.

domingo, 29 de maio de 2016

Andares

Não falaremos mais palavras de rotina
Nem a névoa do dia a dia nos abraçará
Não pisaremos nas ruas de pedras
Com passos marcado
Nem o riso de amigos compartilharemos
Não ser-nos-a comuns os comuns problemas
Nem repartida, à ânsia por eles
Não dormiremos desafetos
Nem afetuosos despertaremos
Não faremos planos
Posto que às estradas não são às mesmas
Não nos unem os objetivos
Nem construiremos, pois somos vento e pedra
Mas nem os Deuses e nem todas às potências nos impedirão
De nos amarmos para sempre.

sexta-feira, 13 de maio de 2016

Tocar

A pele...
Minha pele
Toca o mundo
E o mundo
Me toca
A pele...
Carinho do mundo
Frio e quente
Devolvo ao mundo...
Na pele do mundo
O frio menor. ..
E um calor maior
Terno
Como uma criança
Devolve o amor da mãe
Na união das peles. ..
Frio e quente
Vocabulário da pele
Linguagem de homens e mundos
A pele...
É boca e ouvido
A pele beija o mundo.

quarta-feira, 20 de abril de 2016

Finados

A vida se vai
Deixando diante de si
Um rastro.
Que eu sigo
Diante de mim
Nostálgico.
A falta que sinto
Daquilo que nunca vi.
O sol envelhece a pele
E a doura
Como se, ao dar ouro
À pele, pagasse pelo
Pecado da inveja.
Amores se vão.
Morrem e deixam
Fantasmas em forma
De saudades.
Todo carinho que não
Dei me pesa como
Correntes nos meus
Tornozelos.
Onde está tudo o que amei
Mas nunca deixei de amar?
Meu coração é repleto de
Espinhos cravados.
Cada um, um amor que ficou pelo caminho
Mas cuja sombra ainda
Me entristece.
Todo amor, ao morrer, erra
Como um espírito de remorso
E saudade.
Todo amor me assombra.
Nenhum tem fim.

quinta-feira, 17 de março de 2016

Neide.

Eu queria mudar o mundo
Mas o mundo é grande
Maior que tudo
Eu não posso mudar o mundo.
Eu desejo mudar o homem.
Mas o homem é outro
E não eu.
O desejo é um vazio.
Eu queria não sentir nada.
Mas é tudo que faz o que sinto
E nada não existe.
Sigo sentindo.
Eu não queria falar agora.
Mas se não falo não existo.
Existir é se fazer palavra.
E o verbo se faz
Por algo maior que eu.
Algo que é tudo.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

Águas

Um canto de pássaro ecoa ao som das ondas,
Um som ecoa harmônico com um som maior,
E um vento eterno me empurra para frente,
Pássaros me acompanham.
Um velho vento me empurra,
Eu, velho barco a velas,
Sem leme no mar da vida.
O sol brilha sobre mim e me ignora.
Sou apenas um velho veleiro e um velho velejador.
Já vivo à muitas eras e navego.
Tudo é água salgada e revolta.
Águas e ventos levando um velho barco,
Carregado de histórias auto narraveis.
Somente eu às ouço, só a mim importam, só tocam a mim.

Águas turvas e salgadas de vidas.
Águas incompreensíveis.
Quem poderá entende-las?
Eu não.
Sou um velho veleiro a contemplar um oceano de coisas desconhecidas,
E ininteligíveis.
Preciso de músicas do meu tempo.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

Estímulo

Cheiro de comida
Hora de almoço
Amor de família
Sentido de vida
Cheiro diferente
De coisa que não sei
Cheiro de gente
Gosto bom na boca
Frio na barriga
Som que toca
Su-til-...mente
A gente sente
O amor pela gente
Que ama a gente
E eu amo gente que
Eu nunca vi.

domingo, 17 de janeiro de 2016

O sentido da vida.

Sobre o vazio existencial.

O que da sentido à sua vida?
O que é o sentido da vida?
Para que serve o sentido da vida?

Procuramos sem jamais encontrar.  Caminhamos sem jamais chegar.  Não temos descanso, não queremos e nem podemos ter descanso sob pena de percebermos que somos carentes de sentido. 
Ansiamos por férias, feriados e finais de semana e nos deprimimos quando chegam ou, "vivemo-os intensamente" e desesperadamente. 
Ansiamos por algo que nunca chega e, a cada dia, realimentamos a nossa ansiedade na esperança de "dias melhores".
A vida não tem sentido mas,"ás vidas tem sentido" ou deveriam ter e, cada vida deve ter um sentido só seu. Para cada ser humano um sentido único para a sua vida com toda a deliciosa carga de responsabilidades a ele inerentes. 
O sentido de cada vida é aquilo que às move apesar do sofrimento.  É aquilo que nos torna felizes.
apesar da infelicidade.
Reconhecer e afirmar aquilo que da sentido a sua vida e viver por isso é ser feliz.
E o que da sentido à sua vida?  Ou, porque você não pode morrer agora?
Descubra isso porque é a cura para os seus males.