sábado, 28 de janeiro de 2017

Morbidus

O cinza tem um porquê.
É a membranosa bandeja
Onde são servidos os moribundos.
O grande portão de chumbo.
A madeira apodrecendo sob
Impotentes olhos úmidos de
Covardia e lágrimas de medo.
A morte nos quer doentes,
Pré digeridos por leveduras.
Somos, desta forma,  melhor
Aproveitados pelo
Negro sistema que nos leva
Para onde nunca saberemos.
Saudáveis somos insossos.
É proibido voltar o rosto para olhar.
Aquele que olha corre o risco
De ver a verdadeira face da mentira.
A morte veste branco,
E tem um odor químico.
E reza para todos os Deuses possíveis aos pequenos homens.
Mas cala-se perante os grandes
Pois conhece aqueles que a
Desconhecem.
Usa o vento para nos inocular
E a luz do sol para nos atrair
Como se fosse açúcar de esperança.
Não haverá no universo algo
Tão engenhoso e eficiente
Como a morte.

segunda-feira, 16 de janeiro de 2017

A brisa

Fique atenta para quando o amor chegar.
Ele é discreto.
E raro.
Quase um não afeto.

Vista-se de forma simples
Para quando o amor chegar.
Mesmo na pluralidade ele é único.
De tão sutil e discreto
Parece pudico.

Afaste-se das luzes para esperar o amor.
Ele é íntimo.
Prefere companhia pouca.
Sussurros e voz rouca.
Na sua infinitude, parece ínfimo.

Diminua-se diante do amor.
Ele é diminutivo,
Como um pai diminui os termos
A um filho.
Imóvel mantém-se ativo.

Não feche os olhos quando o amor chegar.
Nem os leve para outro horizonte.
Pois em nenhum horizonte haverá,
A vida da qual o amor é fonte.

Infantilize-se quando o amor chegar.
Seja criança.
E deixe acordar a esperança
Que aviva aquele que se deixa amar. 

Não perca a hora quando o amor chegar.
Jamais o deixe ir.
De-lhe a mais absoluta atenção.
E a mais doce distração,
Para que ele deseje ficar,
E não queira jamais partir.

E, se for pelo seu bem,
E apenas por desejo teu,
Fique atenta para quando o amor chegar.
Todo amor do mundo mas,
Não qualquer um.
Apenas um...
O meu.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

Transmutação

Como torções nos galhos de uma
Velha árvore,
Mudanças doem-me nos passados ossos.
E não meço esforços para evitar vendavais.
Aliás,
Amo a rotina, esta inquieta menina
Que me mantém no rumo.
Me aprumo quando não ha movimento.
E, ao sabor do vento...
Sou daquelas árvores milenares de profundas raízes.
Que, felizes, se prendem na terra orvalhada.
Não me dêem uma estrada.
Dêem-me uma pedra para me sentar.
E me deixem ver a vida passar
Enquanto passo por ela.
Quero uma janela para me debruçar e ver um homem passando.
E ver um burro passando devagar.
Enquanto, do outro lado da rua,
Mas sob a mesma lua, vejo Drummond ainda criança na janela
A olhar extasiado.
Itabira ainda é um paraíso
E é só disso que eu preciso.
Uai!

Vento norte

Hoje eu o senti roçar o meu rosto,
E um tremor no músculo cardíaco.
Às 12:30 do dia 12/01/2017
Ele chegou, digo, o percebi.
Ladeou-me aqui, onde sempre estive.
Trouxe-me esquecidos perfumes,
Distantes ciumes
Que me arranharam a alma,
E sob uma aragem calma
A tormenta se escondia.
Não sei o que fazia que não fugi.
Talvez a esperança de voltar a rotina
Ou a fuga do pavor de saber quem sou
Apesar do que pensava ser.
Só sei que me pus a correr
Em direção ao turbilhão de ansiedade
Causada pela vontade de te-la
Em meus velhos e sofridos braços,
Esfolados por tantos abraços no vazio.
A pensar me fio, urdindo a trama
Dos meus irrealizáveis desejos
Que me fazem andar infinitamente.
Descontente, procuro me contentar
Correndo contra o frio vento
Que nada tem de alento mas sim,
De perdição.
Quantos medos criarei em meus
Campos mentais para sustentar
Tão profundo amor?
Ou será o amoroso objeto
Que me leva inquieto,
Apenas miragem, fantasma, ilusão,
Montando como em balsa
Este velho coração,
Soprado pelo vento norte,
Soberano dos meus pensamentos
e senhor da minha sorte?
Sou eu, amante de amores selvagens,
Náufrago em revoltas águas
No rio de mil e uma ou mil e umas
margens.