segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

O amor que nos traz a vida

--Eu não queria vir mas fui chamado e, quando aqui cheguei, percebi que me amavam e que o mundo era bom então, fiquei.

O amor é a chave que nos abre às portas do mundo.
A aqueles que nunca sofreram com a falta do amor familiar, mormente paterno e materno, eu dispenso deste meu enfadonho discurso.
Que voltem à sua felicidade abençoada.
Porém,  a aqueles que, conscientemente ou não, porventura tenham sequer desconfiado da inexistência do amor por parte daqueles que os receberam neste mundo dedico estas letras.
Lendo a obra de Freud e o livro "princípios da psicanálise", volume II de Marco Antonio Coutinho Jorge entrei em contato com as teorias que falam das condições afetivas que cercam o advento do bebê ao mundo.
Num trabalho primoroso
René Spitz, após conhecer a psicanálise a partir de Freud, estuda o desejo pela vida ou pela morte do bebê a partir da  percepção de ser desejado ou não.  Spitz nota que, ao ser acolhido amorosamente nasce no bebê a pulsão de vida e ele movimenta-se positivamente em direção ao seu bom desenvolvimento porém, se rejeitado ou se o amor e cuidados ideais não lhe são oferecidos aparece nele a pulsão de morte e ele usa os "meios de morte" disponíveis para "ir embora" ou melhor,  para voltar para o estado de antes do nascimento.
É como se a criança dissesse --" aqui não me querem então vou-me embora. "
A morte torna-se, então, a solução para um caso de desamor.
Mas e para aquelas crianças que decidem ficar apesar do desamor ou aquelas que deixaram de ser amadas ou que tiveram a confiança no amor traida pelos abusos? Ou para aquelas cujos sinais de amor não foram claros e deixaram nelas a dúvida sobre a sua real existência?  Para estas, o que resta?
Posso imaginar às indagações que estes sujeitos carregam ao longo das suas dolorosas vidas.
Estas vidas serão vividas como uma eterna procura pelo amor nunca oferecido pelos entes que às chamaram e às receberam.
Perguntas como:
Porque ninguém me ama?
Porque ninguém me apóia?
Pra que eu sirvo?
Ou pior, afirmações como:
Eu me odeio;
Sou inútil;
Não valho nada;
Não sou ninguém, são, ao meu ver expressões sintomáticas da lacuna deixada pela falta do amor primordial.
É como se houvesse uma intensa e continua vontade de morrer.  É a pulsão de morte agindo com potência e liberdade pouco contida pela pulsão de vida. É a vontade de retorno ao nada primordial de onde todos viemos.  A vontade de retorno ao útero a procura de uma nova oportunidade de nascer num mundo que venha a nos amar e desejar.
O amor familiar e às relações harmônicas e amorosas entre os membros da família trazem à criança uma "certeza de segurança" que a leva a explorar o mundo sem grandes medos, com grande interesse e alegria mas, para aqueles que não tiveram, como substrato, este modelo ideal de família ou que, ao longo dos anos cruciais da infância, perderam este amor e, consequentemente,  esta segurança a exploração do mundo será uma imposição contingente cercado por medos horríveis.  Para estes a vida não terá sentido ou objeto e será um tormentoso tédio.
Ao mesmo tempo, a esperança de um amor e de uma segurança que nunca chega faz desenvolver-se uma terrível ansiedade.
Creio que a solução seria, em primeiro lugar, trazer a consciência do sujeito vítima destes estados a verdade afetiva sobre o seu advento.  Deve ele se lembrar e "verbalizar" aquilo que ele percebe como verdade com relação a aqueles que o trouxeram ao mundo. Isto será a base para a terapia que trará a cura. 
Portanto, você que se encaixa neste perfil e que me lê agora, faça uma auto análise das condições afetivas que cercaram o seu nascimento e infância e às verbalize. Fale com você mesmo mas seja honesto.  Análise os motivos que levaram aqueles que o cercavam a agirem de forma não amorosa.  Análise e tente identificar às origens das dúvidas sobre o amor que, aparentemente, não lhe foi oferecido.  Traga a verdade a superfície iluminada para que possa ser encarada e transformada em cura.
A verdade sobre você te libertará.
Te desejo a auto suficiencia.

domingo, 13 de dezembro de 2015

O grupo

Sobre a necessidade do sujeito da vivência grupal e das dinâmicas e hierarquias.

Deve, o homem,  procurar na natureza e suas estruturas a cura para os seus males.
A natureza é maior que o homem e o homem é parte dela. Ao se afastar da natureza o homem adoece.
A doença é o chamado da mãe natureza para que os seus filhos voltem ao seu seio.

Somos animais.  Somos hominídeos.  Somos primatas.  Não podemos fugir disso mas criamos um modelo artificial de habitat estruturado de forma a nos trazer confortos que são diferentes daqueles propostos pela natureza. 
A natureza é uma mãe ciumenta e autoritária que não admite a rebeldia dos seus filhos.  Assim nasce a doença.

Parto do princípio de que, o sujeito pode se aproximar da cura quando ele percebe que as suas atitudes são antagônicas às atitudes exigidas pela natureza para o bem viver.
Como já disse,  a natureza nos oferece os modelos propícios a esse estado de plenitude.
Falemos da estrutura dos grupos primatas e a sua possível relação com os grupos humanos.
Nos grupos dos primatas superiores, aqueles dos quais nos aproximamos, há uma estruturação fixa e muito bem estabelecida.  Há sempre um macho dominante, um harém de fêmeas, machos satélites e filhotes.  Antes de continuar advirto que não estou propondo que o grupo humano siga a mesma estrutura dos grupos citados.  O que pretendo é mostrar que a natureza nos oferece, ou até, nos impõem um modelo natural de "grupo humano" assim como faz com outras espécies e que o sucesso das outras espécies talvez seja um sinal de que nós, humanos, deveríamos conhecer melhor aquilo que a natureza propõem.
Voltando a estrutura do grupo primata, neste modelo o macho dominante (pai, administrador, sacerdote, etc. ) tem o poder sobre o grupo em troca de "mante-lo". As fêmeas cuidam da continuidade da espécie. Os machos satélites buscam a liderança do grupo garantindo que sempre haja um macho jovem e forte no comando.
Todos tem que seguir às regras para pertencerem ao grupo.
Ora, o humano também é gregário.  Também precisa viver em grupo aliás,  creio que o homem é estruturado para viver em grupo.  É o que da sentido a sua existência portanto, é o que ele, a princípio, procura. 
Todos procuramos "o outro" desde que nascemos.  Nos desligamos do corpo da nossa mãe e, ao invés de partirmos, a procuramos e nos agarramos a ela. Já com certa autonomia procuramos a presença dos membros do grupo familiar, depois do grupo dos vizinhos, depois do grupo dos amigos da escola, redes sociais etc.
Estamos sempre a procura de aceitação num grupo e, para sermos aceitos temos que seguir às regras impostas.
Mesmo sem percebermos seguimos estas regras e pertencemos a vários grupos. 
Porém, ao contrário das outras espécies a participação do indivíduo humano num grupo é percebida por ele como algo volátil,  algo que, se não cultivado, se esvai.  O humano sofre com o medo de perder o seu lugar no grupo e de ser "abandonado na savana" a mercê de predadores.
Este medo ancestral nos impele a eterna procura pela aceitação, pela eterna procura pelo próprio lugar no grupo.
Isto é eterno no humano porque faz parte das estratégias de preservação da nossa espécie e das espécies grupais.  Desta forma, aquele que tem dificuldade em adquirir a aceitação ou aquele que não percebe que já é aceito adoece.

Falemos da possibilidade de cura.

Como exemplifiquei acima, nos grupos de primatas superiores a participação de um indivíduo num grupo está vinculada ao respeito às regras do grupo.
Assim, também, creio que seja da mesma forma com nós humanos.
O homem precisa do outro para criar a própria identidade então, há uma dependência de todos nos para com o outro.  Desta forma creio que a concretização da participação num grupo humano está subordinado a forma como o indivíduo se relaciona com os outros do grupo dentro das normas deste grupo.
Simplificado, é a maneira como nos relacionamos com os outros de forma a sermos úteis que garante a nossa aceitação pelo grupo e, até,  a nossa posição na sua hierarquia.
Seguros da nossa posição no grupo temos embalsamento para nos curamos.  É a sensação de sermos úteis aos nossos grupos que nos leva a plenitude.  É a percepção da nossa utilidade que nos liberta.
Desejos asas a todos .

quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

Sono

A pálpebra pesa
E pesa o que foi o dia
A cama chama
E a chama clama um corpo
Invoca o pescoço
Que aloja o braço
Num meio abraço
Que inicia o sonho
O nariz se enlaça
Nos nós de cabelo
E o braço atrasado
Procura uma costela
E a perna busca
Noutra aconchego
Quisera a hora
Do merecido descanso
Que fosse inverno
Leite quente com canela
Pijama e luz de vela
Saliva e boa noite
E dormir de conchinha.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

Andante

Quando eu era criança,
Na zona rural de atibaia,
Bairro do Rosário,
As vezes eu via passar um homem,
Com uma trouxa nas costas,
Andar fiel a frequência dos passos,
Como se marcasse o compasso
Com os pés.
Num ritmo da vida com
Um objetivo, apenas um,
Fugir!
As vezes pedia comida,
Um dedo de prosa,
Um olhar que lhe lembrasse
Que pertencia a raça humana,
Ou que pertencia a alguma raça.
Sempre pensei que fosse o mesmo,
Mas eram vários e tinham
Algo em comum que os
Unia numa classe de homens,
Todos fugiam.
Formavam uma orda de
Guerreiros vencidos,
Cansados da luta vã.
Minha mãe me ensinou
Que se chamavam "andantes" porque o seu
Único objetivo e a sua única utilidade
Era andar e assustar a mim.
Ao longo das eras minhas
Vi crescer em mim um andante,
Que me convida à estrada
Quando a dor advém.
Sou um andante covarde.
Uma subclasse de andantes
Que querem andar mas tem
Medo dos caminhos.
Andante de vários objetivos.
De desejos varios.
Quisera eu não ter raízes,
Apenas frutos.

domingo, 6 de dezembro de 2015

O incomodo do impossível

Acima de todo objeto de desejo impera o impossível.

Ao nascer o desejo imediatamente se lhe apresenta a sua impossibilidade como fonte de estímulo ou o seu contrário. O impossível se interpõem entre o homem e o seu objeto de desejo e, vencer o impossível é o grande objetivo.  Por exemplo, a busca pela felicidade.  Ao sofrer o homem reage a dor buscando um estado de "não dor" a que chama "felicidade" e o deseja eterno porém, ao desejar a felicidade o que ele antevê é a sua impossibilidade que deve ser vencida.  O homem não pode ver o horizonte da impossibilidade portanto está se lhe apresenta como infinita.  Já que é infinito, alcançar e vencer o impossível carece de um passo maior do que o permite a moral.  Logo, para alcançar o seu objeto de desejo, por exemplo, a felicidade, o homem se vê instigado a transgredir a moral.  Ele se permite limitar aquilo que limita os seus atos.
Um exemplo típico é o das relações sexuais e os tabus que às cercam.  Os atos sexuais geralmente são praticados em locais reservados de forma a vedar o olhar do publico e, geralmente, este local é preparado de forma especial a fim de concretizar a transgressão que vence o impossível.  Tanto o local e circunstância em que é praticado quanto o próprio ato objetivam vencer a impossibilidade do ato que se apresenta aos amantes como um desafio da moral e o ato simboliza o esforço máximo em vencer a impossibilidade da vida, ou seja, a morte.
Talvez o sentido de impossibilidade no homem seja, também, um estímulo para a evolução já que, ao lutar contra o impossível o homem se fortaleça e deixe como herança aos futuros uma força a mais que lhes permita avançar um pouco mais no caminho evolutivo.
Viver é impossível e é esta impossibilidade que nos move em direção à vida.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

A ponte

Não deixe de ver um filme
Antes que sobre venha a verdade,
Antes que a realidade venha
Prenhe de cinzas certezas.

Sonhe enquanto ha sonhos,
Precursores do gosto amargo.
Planifique onde couber planos,
Coisas feitas de areia e água.

Ande por aí, descalço
Antes do advento do espinho
Que fura a carne mais pura, e torna sanguíneo o caminho.

Verdade, amarga verdade!
Maldição é, em mim, o teu vicio,
Trágico é o fim do amor
Em troca da realidade.

Viver a custa de utopias
Ou morrer, infante, de verdades?

terça-feira, 1 de dezembro de 2015

Princípios da crueldade

Das raízes da crueldade no homem.

Não se pode negar que a crueldade é um atributo inato no homem.
Todos tem conhecimento da "crueldade natural da criança" enquanto ainda "amoral". Ainda livre das amarras morais ela pode experimentar o mundo "sem dó" e pode exercer  com prazer este seu "direito inato".
Aliás, a crueldade nos da um prazer enorme e todos já sentimos aquele "gostinho" em ver o outro em maus lençóis (estou falado de você mesmo). Então eu me pergunto: qual a função da crueldade na evolução do homem?  Tenho algumas hipóteses, vejamos:
A crueldade é uma forma da criança experimentar o mundo e às coisas sem o Impecilio da moral. Desta forma ela testa os seus limites nas suas relações com tudo e desenvolve um princípio ético que se nota no respeito a esses limites. No exercício da sua livre crueldade ela não se submete ao "tu deves" e exerce plenamente o "eu quero" (obrigado querido mestre Friedrich Nietzsche). Sendo assim,  imagino que a crueldade, além de ferramenta para a experiência, é um dos elementos que da ao homem o sentido de "indivíduo" e o separa do mundo.  Ao experienciar cruelmente a criança percebe-se como agente ativo e percebe o mundo como não-eu, como algo além de si, como algo maravilhoso a ser explorado.  Antes da moral o homem conhece o sentido da vida racional que nada mais é do que explorar o mundo livremente ou exercer plenamente a sua curiosidade.  Antes da moral o homem gosa plenamente dos prazeres maravilhosos de ser o eu verdadeiro.
A crueldade é o princípio da individualização.  É o exercício de poder.  É o motor da dominação.
Devo lembrar que eu penso que energia que move tudo é a dualidade dominação / submissão e a crueldade é o ato dominador.  Não se pode dominar sem que haja o elemento cruel permeando tudo.  O pai, ao dominar o filho é cruel.
Mas penso que tudo na natureza tende ao equilíbrio e, desta forma,  o próprio exercício da crueldade acaba gerando uma contra-força que imagino seja o princípio da ética baseado na razão e no bom senso que nada mais é que a ante visão de uma vantagem pessoal (me relaciono com algo, sou livre para agir mas me limito porque imagino que esse algo me dará alguma vantagem, algo bom para mim). Porém, mesmo limitada pela ética e reprimida pela moral a crueldade ainda é uma fonte de prazer irracional e infantil, ou seja, um prazer procurado sem os obstáculos morais e éticos.  Sendo assim, "quando não ha ninguém vendo" somos cruéis e o prazer da crueldade em nós, adultos, se da pela capacidade do ato cruel afirmar a nossa existência como indivíduos.  Ao sermos cruéis nos sentimos a parte da manada e temos a sensação de controle momentâneo sobre as coisas. A crueldade é o poder afirmado. Nos sentimos poderosos quando cruéis. O eu percebe-se no momento da crueldade pois ao ver a dor do outro e  não a  sentir ele se distingue,  ele percebe a sua singularidade.
Não ha como fugir, a crueldade é um atributo inato ao homem e é o princípio da dominação que ele busca nas suas relações.  Dominam cruelmente os menos morais e submetem-se os menos cruéis.  "E disse Deus, façamos o homem a nossa imagem e semelhança".

segunda-feira, 30 de novembro de 2015

O homem de duas faces 4 - A hierarquia primata

Sobre a estrutura e dinâmica do grupo a que se chama "família".

Continuando com às reflexões que tentam entender a formação do indivíduo pela família cabe agora entendermos a estrutura hierárquica familiar, o papel primordial de cada membro, o papel esperado por cada membro com relação ao outro e às consequências dos seus comportamentos.
Parto do princípio baseado na inferência (minha) de que a estrutura do grupo (família) é relativamente comum a todos da espécie primata e que o homem tem, programada em si, esta estrutura e a sua dinâmica como um eco que ressoa na sua história evolutiva.  Mudamos como espécie mas guardamos conosco aquilo que permitiu que chegássemos até aqui.
Partindo deste princípio vou, inicialmente, traçar um paralelo entre a estrutura familiar humana e a estrutura de alguns grupos de primatas, mormente aqueles que mais se aproximam do homem.
Isto visa deixar claro a situação ambígua em que se encontra o homem em função do conflito gerado pela dualidade razão/instinto.
Logicamente não pretendo me aprofundar em detalhes de cada espécie.  Vou ater-me às características comuns a todas às espécies "generalizando" ás idéias.
Desta forma, comparo a família humana e o grupo formado por nossos parentes primatas da seguinte forma:

Humano ------------ Primata
Pai =       Macho dominante
Mãe =    1°Fêmea do harém
Filha =    Fêmea secundária
Filho =    Macho satélite

O homem vê a família de duas formas conflitantes, a saber :
Instintivamente e guiado pela sua herança evolutiva ele vê na família um grupo movido pelo automatismo natural;
Racionalmente ele vê a família como algo que deve cumprir com os "deveres" que, a seu ver, são aqueles que lhe trarão vantagens.
Portanto,  todo membro da família está dividido entre "aquilo que deve ser" do ponto de vista da natureza e "aquilo que eu quero que seja" do ponto de vista da sua limitada racionalidade.
Ora,  este é um conflito terrível já que, aquilo que é designado pela natureza existe anteriormente ao advento do homem ao contrário da sua recente razão logo, a gigantesca e exuberante natureza tende a dominar o homem que, movido pelo cansaço da luta, frequentemente sucumbe a dominação dela e age contra a razão ou a favor daquela que o domina. Assim sendo, cada membro da família luta para manter o seu lugar e luta para ascender na hierarquia (instintivamente) e, ao mesmo tempo tem que manter uma atitude civilizada com relação ao outro, atitude essa dirigida pela moral que "determina" os comportamentos e uma ética frágil que tende a se romper o tempo todo.
Assim seguem os humanos cambaleando em dois caminhos ao mesmo tempo.
Como já disse,  cada membro da família procura, além de manter o seu "status", ascender na hierarquia familiar contestando o direito do outro a sua posição. Assim o pai (macho dominante) lutará para manter a sua autoridade (posição e poder sobre todos) e verá qualquer outro macho (filho, genro ou agregado) como uma ameaça e como um adversário possível.  Trava-se, desta maneira,  uma constante luta entre eles e há uma constante tensão que precisa ser aliviada.  Assim, o pai tratará o filho com carinho mas, usando o argumento de que o prepara para a vida dura que terá um dia, (guerreiro, lider, homem de sucesso), o trata de forma mais dura de forma a deixar evidente a sua "superioridade".
Já o filho se dividirá entre o amor ao pai e o desejo pela sua posição.  Ao filho cabe o dilema racional de amar e o irracional de matar.  Aliás,  creio que o que leva o filho a desejar a própria mãe não seja apenas o fato de garantir para si o cuidado e o carinho que, teoricamente, deve dividir com o pai. Imagino que o filho veja a mãe como a representação da "coroa" do pai. A mãe então seria aquilo que, para o pai, é mais caro e seria uma representantes da sua autoridade.  O filho, desta forma,  desejaria ter a autoridade do pai de forma efetiva ou na forma daquilo que a representa. Isto seria o princípio da imitação pelo filho das atitudes do pai como forma de se apropriar da sua autoridade.
Na natureza esta infinda e constante luta pelo domínio do grupo garante a troca do macho mais velho e menos apto por um mais jovem e forte, preparado para manter a segurança e a perpetuação da espécie.

Com relação às mulheres da família ou às fêmeas do grupo o pai/macho dominante tem, também,  percepções ambíguas.
Racionalmente e contido pela moral produtora de culpas o pai distingue bem entre mãe e filha.  Neste estado, para ele, a mãe ou esposa é a companheira que o auxilia a implementar o projeto familiar. É aquela com quem ele compartilha a construção e manutenção do lar.
Já a filha é aquela a quem ele deve proteger e educar.
Mas fora do jugo da razão e da moral o macho dominante/pai vê às fêmeas do grupo como propriedades do seu harém.  O sentido de posse daquelas que lhe oferecem a possibilidade de perpetuação da espécie é muito grande.  Ele terá ciumes e lutará para manter o seu domínio sobre elas.
Teríamos paz se o homem fosse apenas racional ou irracional mas ele vive estes  estados ao mesmo tempo.  Dois estados opostos e conflitantes.
Creio que os abusos, principalmente sexuais, praticados pelo pai se dão em função das distorções geradas pelo conflito entre Eu racional e Eu irracional.  Estas distorções deslocam os limites naturais e morais levando a comportamentos anômalos.  Desta forma,  estes comportamentos seriam originários do sofrimento do homem frente a um conflito que, em função da sua "ignorância" com relação às dinâmicas da vida, parecem insolúveis.  Isto pede a nós muito cuidado ao incutindo a culpa por comportamentos paternos perniciosos aos filhos.

Falemos de nossas mães.
A mãe racional vê os filhos como obras de arte saídas do seu ventre.  Esta talvez seja a origem do termo "amor visceral". A mãe racional amará e cuidará dos seus filhos desejando-lhes o melhor.
Já a mãe, guiada pelo inconsciente irracional, ouvirá a natureza e tenderá a procurar o macho mais apto e desejará o filho quando ele estiver preparado caso o pai não seja eficiente no seu papel de macho dominante. É o complexo de Édipo ao contrário.
Com relação a filha, a mãe rivalizará inconscientemente com ela para manter a sua posição hierárquica.  Ela competirá com a filha pelo apreço do pai.

Imagino que a natureza criou este modelo de agrupamento e sua hierarquia por ser o mais eficiente para a perpetuação e evolução da nossa espécie.  O macho parece ter um papel mais proeminente por ser ele o protetor do grupo.  Aquele que garante a sobrevivência.  Aquele que cria o ambiente propício a produção de novas vidas.  Caberia a mulher ou a fêmea o papel, tão importante quanto, de núcleo gerador.
Imagino que está reflexão deixe claro a ambiguidade dos comportamentos humanos em face da dualidade razão/instinto, motivo da enorme angústia e culpa que assola aos humanos. Quero criar com isso um ambiente que, a partir da reflexão e debate sobre a trágica dinâmica familiar, se possa caminhar para a aquisição de capacidades que permitam a resolução de conflitos íntimos ou coletivos objetivando a libertação do indivíduo e a sua emancipação. 
Não ignoro o pesado muro que os traumas criam impedindo esta libertação e nem a resistência a vencer a inércia que nos impede de tomar ações efetivas para tal intento. 
Mas entendo que é preciso começar.
É preciso coragem para sair do estado de latência e auto piedade e encarar a vida como algo passivel de mudanças.  É urgente que se perceba o sofrimento como componente indissociável do viver e que se o abrace como a um aliado no processo evolutivo libertador.
É preciso observar, aprender, entender e perdoar.

domingo, 29 de novembro de 2015

Burgo

Janelas quadradas,
Olhos quadrados,
Onde o mundo se enquadra.
Telhados vermelhos
Sobre milhares de almas.
Células da grande alma.
Vida geométrica.
Ângulos vivos
Sobre rodas.
Artérias negras,
Para o sangue de ferro
E de sangue.
Fitas verdes.
Fitas líquidas.
Adornos
Para a tua vaidade
Asfáltica, de pedra.
Irresistível beleza de concreto.
De barro.
De carne.
Tu ficas fincada na terra.
Eu flutuo nas tuas correntes
Gasosas.
Eu, o balão solitário.
Filho das tuas duras carnes
De areia.
Eu...cidadão.

quarta-feira, 25 de novembro de 2015

O pé e a terra

Advertência!  Leia este poema com o espírito pronto para a poesia, ou seja, isento de razão, numa manhã orvalhada e só.

O vento balança a folha de uma árvore.

O vento balança a relva.

A folha verde e o vento.

A pele verde e fria.

A minha pele esfria.

Respira ao sabor do vento.

Eu a folha e o vento...

...estamos aqui.

Confuso

Um dia,
Durante uma tempestade,
Como de ser não haveria,
Por escárnio da divindade,
Do nada ele nascia.

Nascia "o homem que sabia tudo".
Até os sete cresceu mudo,
Estupefato por saber,
Não via sentido em crescer,
Por nada ele sofria.

E, porque tudo sabia,
Nada havia a aprender,
Nada o estimulava,
Por nada opinava,
Nada havia a compreender.

Aos comuns ele invejava.
Quão gratificante devia ser,
Ter um vazio no espírito,
Reserva para o aprender.

E não sofrer deste tédio,
Por não ter que inquirir,
Por não ter que partir,
Em busca de sentidos!

Assim como os homens ávidos,
Por todas às coisas entender,
Também queria ele ser,
A ter dias tão pálidos. 

E, um dia, por tudo ter a ele sentido,
Presa de insuportável vazio,
Farto de inveja e vaidade,
Tirou-lhe a vida o fastio.

Em verdade ele nunca soube.

terça-feira, 24 de novembro de 2015

O homem de duas faces 3 - O vassalo

Da angústia em servir a dois senhores.

O subtítulo " O vassalo" remete ao estado de servidão do homem, na idade média, ao senhor das terras, o suserano.  Assim também é o homem com relação aos seus dois senhores, o racional e o irracional porém, como agravante ele deve satisfazer a ambos sob pena de ser fustigado pelo outro não satisfeito.  É como se ambos fossem senhores ciumentos, possessivos e algo infantis.  Desta forma,  as relações do indivíduo com o outro são envoltas numa névoa gerada pela animosidade existente entre estes senhores.
Especificamente nas relações pais/filhos o complexo de Édipo, preferido de Freud ou o complexo de Electra, idealizado por Jung nos mostram claramente os efeitos dos comportamentos influenciados por estas duas instâncias.
Mas...e se olhássemos os complexos de Édipo e Electra do ponto de vista dos pais?  Como é para uma mãe que ama incondicionalmente a filha percebe-la como a uma crescente rival? E com relação ao filho, como se sente a mãe que, ao mesmo tempo, é fêmea?  E o pai que ama ao filho e coloca nele todas às expectativas de sucesso, como se sente ao perceber que o filho disputa com ele o amor da sua mulher e que tem que defender a mãe do seu filho do "assédio", não de um estranho mas sim, daquele a quem ela e ele geraram?  E quais os sentimentos obviamente conflitantes, dolorosos e inomináveis que ele deve reprimir a força de culpas terríveis ao ver a própria filha se tornar uma fêmea apta à procriação?
Estas reflexões pretendem trazer a possibilidade de reconciliação entre pais e filhos e dirigem-se a ambos na tentativa de ajuda-los a reconhecer a isenção de culpa e pretende, também, abrir um debate para o entendimento de comportamentos, principalmente eróticos, como o incesto e a pedofilia.
Acredito que às relações entre filhos e pais, (nesta ordem pois somos primeiramente filhos) já que é o primeiro contato do homem com outros humanos, sejam o substrato ou os alicerces que dão início a construção do homem e definem a forma como ele se relacionará com o outro, com a coletividade e com o universo.  Desta forma,  seríamos reflexos das atitudes de nossos pais e o eco destes comportamentos somados ao que auto criamos como nossa obra de arte ou seja,  aquilo que construímos como a nós mesmos.
Assim, um indivíduo socialmente saudável seria aquele que teria passado satisfatoriamente pelos "ritos de passagem", ou seja,  aquele indivíduo que teria resolvido todas às tensões originadas durante a sua primeira adaptação ao meio e aos outros.
Naturalmente este indivíduo idealizado dificilmente virá a existir posto que somos todos herdeiros dás dores dos nossos pais e às legamos aos nossos frutos.
Imagino então que cada indivíduo seja único pois não se pode determinar um "padrão de dores" que será passado como herança  de um grupo de indivíduos para os seus descendentes. Assim acredito que cada indivíduo tenha uma dinâmica de construção bastante singular onde os níveis de dores e capacidade de suporta-las perfazem um espectro infinito de intensidades.
Também não creio na limitação temporal dada aos complexos.  Acredito que as relações pais/filhos sejam as formadoras dos elementos da dinâmica que o indivíduo utilizará para se relacionar por toda vida.  Os pais ensinam aos filhos como construir os seus machados de pedra e estes machados terão a forma básica dos pais porém, detalhes característicos aos filhos.  Esta é a raiz da evolução herdada e esta herança não garante o sucesso da nossa espécie pois é caótica ou seja, não pode ser vista com um primeiro olhar por ser extensa demais para a nossa turva visão. Cabe aqui a escolha de olhos capazes de verem o macro e o micro contexto e uma mente capaz de equalizar as imagens de forma a trazer a paz da compreensão aos corações.  A paz da conclusão e da contemplação da obra.

segunda-feira, 23 de novembro de 2015

O homem de duas faces 2 - O eremita.

Da luta entre homem racional e homem instintivo pela dominação sobre o ser.

O subtítulo "O eremita" que usei é uma tentativa de representação da fuga do homem da luta travada entre o seu Eu racional e o Eu irracional, ambos contidos nele.  Nesta reflexão tentarei colocar em debate a hipótese de o subproduto do conflito entre o racional e o irracional ser a culpa e o incomodo da culpa que o leva a uma interminável fuga.
Cansado de fugir o homem constroi uma "toca" para se esconder e tende a se isolar. Quando é forçado a sair deste esconderijo ele se fantasia em um personagem que esconde a sua verdadeira face assim como a arte esconde a realidade por trás de uma representação.
Todo homem é, portanto, uma representação de si para o outro.  "Todos somos atores no grande teatro da vida! " (me perdoem, não resisti).
A humanidade é um simulacro.  Tudo o que provém do homem não tem a sua autenticidade garantida logo, todo homem é abismo sem fundo. Por mais que tentemos atingir-lhe os limites jamais conseguiremos.  É por isso que considero todo homem perdoável e reconheço o direito dele à paz pois ele não escolheu ser um abismo.
Toda ação humana é influenciada pela luta entre às duas instâncias que o compõem e pouco controle ele pode ter sobre os seus atos.
Na tentativa de "normatizar" o comportamento do grupo e, talvez, para minimizar o "ruido" gerado pela luta entre os seus dois espíritos o homem criou a "moral" que Nietzsche chama de "tu deves" ou seja, a moral impõem o comportamento do homem dando poderes a instância racional e reprimindo o Eu irracional.
Preso na jaula moral o Eu irracional se rebela, protesta e tenta dirigir o ser para que ele passe a agir com fins de liberta-lo. Em contrapartida, o Eu racional segura a porta da jaula mas se distrai algumas vezes deixando o Eu irracional sair perdendo sobre ele o pouco controle que tinha.  Desta forma o homem vive os seus extremos.  Ou reprime o instintivo e violenta a natureza, e ela se volta contra ele, ou liberta o homem natural e se violenta em função da razão.  
É este o palco da tragédia do comportamento.  E é como crítico desta tragédia que o homem tenta entender-se, conhecer-se e ajustar-se a vida na busca pela harmonia e a paz consequente.  E é como um crítico da tragédia humana que eu debaterei os princípios do comportamento humano e os seus efeitos sobre o indivíduo e o outro.
Vou refletir sobre a formação do comportamento durante a batalha entre os dois "Eus". Vou tentar mostrar que todo comportamento se da durante a tentativa de satisfação dos dois "Eus" ou quando um deles se sobressai.
Começarei com a relação pais e filhos.
E que os Deuses estejam conosco.

O homem de duas faces - 1

Sobre o meu incomodo com a dualidade de tudo.

Os gregos sempre tiveram razão até Sócrates. 

Os admiráveis gregos pré socráticos tinham um enorme e bem elaborado sistema para explicar o homem, o mundo e suas relações.  Para eles o homem era parte do universo, um universo exuberante, cruel, horrendo enquanto instância inacessível e misteriosa.  Para o grego pré socrático a existência era uma alternância entre prazer e dor e, na sua angústia, ele procurava explicações para tudo aquilo.  Na ânsia por respostas ele criou os seus Deuses os quais pertenciam a mesma natureza que ele e compartilhavam das suas angústias, virtudes e defeitos.  Os Deuses gregos justificavam o homem.
De todo panteão grego os meus prediletos são Apolo e Dionísio.  Prediletos por justificarem a dualidade no homem ou seja, ambos simbolizam o homem racional e o irracional nos seus extremos.
Esta minha curta explanação pretende refletir e levar a refletir sobre a dualidade no homem, representada por esses maravilhosos Deuses míticos, e pretende abrir um caminho para a redenção do homem pois creio que o indivíduo só deve ser culpado pelos seus atos se agir apenas com a razão ou seja,  agir com absoluto e racional controle sobre os seus atos atividade que considero impossível.  Como sempre digo, no final só há vitimas.
Mas como Apolo e Dionísio representam essa dualidade humana?
Não vou me ater a genealogia desses Deuses já que há farta e acessível literatura sobre o assunto disponível a quem deseja estas informações.
Resumidamente, Apolo é o Deus da beleza, das formas, da razão e daquilo que seria evolutivo no homem e na natureza.
Já Dionísio é o Deus do instintivo, do vibrante, do irracional, é o Deus do homem primordial, aquele que não foi maculado pela razão e segue os desígnios da natureza.
Ambos esses seres míticos "habitam o homem".
Creio eu que apolo possa ser o representante do que Freud chamou de Super Ego e Dionísio seria o representante do Id (o meu preferido).
Ambos os Deuses, apesar de opostos nas suas características, seriam complementares.  Nas artes, por exemplo e como observou esplendidamente Friedrich Nietzsche, Apolo representaria o sonho, a representação fantasiosa da realidade que facilitaria para o espectador o seu entendimento.  Apolo seria, portanto, o Deus da configuração ou seja, o Deus das formas representadas, por exemplo, pelas artes plásticas e por tudo o que nos estimulasse através da imagem.
Dionísio, por outro lado, seria o representante do homem em estado bruto, obediente e desejoso em seguir os desígnios da natureza.  É o Deus da libertação pelo entorpecimento, da lascívia, da sensualidade, do sexo. Nas artes é o Deus das formas de estímulos onde a imagem é gerada ao invés de ser o veículo do estímulo, por exemplo, a música que, ao nos impressionar, nos induz a imagem.
No homem estes Deuses travam uma cruel disputa pelo controle do mesmo que, dividido por estas duas instâncias, "comporta-se".
Estes dois homens que disputam, a saber, o racional e contido e o irracional e sem regras, são a síntese do humano e a raiz do seu eterno conflito.
Em seguida tratarei daquilo que entendo como a formação do comportamento por estas duas instâncias.

sábado, 21 de novembro de 2015

A divina solidão

Os Deuses se foram
A razão não serve
Quem sou eu?

O coletivo passou
Passei por eles
Quem sou eu?

Antes o amor
Hoje anti amor
Quem sou eu?

Sem aprovação
Sem moral
Quem sou eu?

Arquiteto de tudo
Artífice para ninguém
Sou eu? Quem?

Sem palco
Ou platéia
O que sou eu?

Andarilho
Apartado
Para que sou eu?

Só, me construo
Solitário caminho
Porque sou eu.

E eu sou.

O manual de um Deus

" 26 E disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança; e domine sobre os peixes do mar, e sobre as aves dos céus, e sobre o gado, e sobre toda a terra, e sobre todo o réptil que se move sobre a terra.
Gênesis - 1"

Sobre o caminho  da libertação do homem ou "como apartar-se da manada".

Quando falo em Deus quero usar aqui os seus atributos como atributos que, se conquistados pelo homem, torna-lo-ão efetivamente livre para criar.  O versículo de Gênesis aqui citado não tem o propósito de remeter-nos ao aspecto religioso, espiritual ou místico.   O intuito é criar uma imagem que torne possível o entendimento da possibilidade de cura das dores existenciais do homem a partir da conscientização da sua individualidade ou, da sua libertação da manada.
O atributo divino primeiro e o que caracteriza a sua liberdade é o poder de criação.  Os Deuses, de uma forma geral,  são criadores livres ou seja, tem a prerrogativa de criarem os seus próprios destinos.
Usando um exemplo conhecido no ocidente mas não o único cito Gênesis - 1/26 onde Deus, exercendo a sua liberdade, cria o homem e o liberta dizendo " Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança" ou seja, "faça-se o homem igual a mim". Desta forma o homem é criado com todos os atributos divinos não sobrenaturais que o tornam livre e, assim como a um Deus, o tornam um "indivíduo", uma célula da humanidade autônoma, um ser gregário em função da sua pequenez física porém solitário pelo seu poder de criação da sua própria virtude.
O homem é um ser auto construtivo.  Um animal apto a criar o seu próprio mundo individual.  Um criador de cultura própria e disseminável. O homem tem a capacidade de criar solitariamente e compartilhar o que criou com o grupo ou seja,  ele é capaz de criar um bem para si, o indivíduo, e para a coletividade, o grupo.
Porém,  o homem é, essencialmente, um indivíduo, alguém com uma identidade própria e que tem como modo natural a autonomia.  É esta tendência e necessidade da autonomia que dão ao homem o sentido de liberdade.  Então,  a liberdade para o homem é a dissociação de tudo e a absoluta liberdade de criar o seu mundo e o seu destino.  Qualquer outra forma de existência lhe causa a doença. 
Ora, já comentei que o homem é um ser gregário por conveniência mas, essencialmente, é autônomo porém, em virtude da dominação e para mante-la criou-se o contexto de "manada" onde o homem foi inserido e transformado numa rês.  Como uma rês ou membro da manada o homem precisa criar uma identidade comum a manada ou seja, ele deve se "pluralizar" em detrimento da sua singularidade natural.  Obviamente essa pluralização do indivíduo que é, por natureza, singular leva-o ao sofrimento e a doença.  Pode parecer um contra senso mas o homem deve ser um indivíduo autônomo dentro de um grupo. 
Para ser feliz e viver plenamente a sua existência deve o homem se libertar da dependência do grupo para construir-se.  Ele deve "andar solitário entre às gentes". Mas isso será um exercício terrível pois o sentido de manada e o conforto de fazer parte de uma são muito fortes.  A manada não tolera membros que se diferenciam e fará tudo para não perder uma rês.
Este conflito pode ser testemunhado modernamente nos fenômenos das redes sociais que fortalecem o sentido de manada e estimulam a dependência por aprovação da rês pelo grupo.  Aquele que não consegue a suficiente aprovação da amada se sente apartado e teme a solidão e a falta da segurança e do conforto oferecidos pelo grupo.
Assim, aquele que deseja ser livre deverá transcender ao grupo e deverá se libertar da sua dependência assumindo o controle sobre a construção de si mesmo.  Isto, naturalmente, será doloroso e exigirá coragem e abnegação.  Este indivíduo deverá estar pronto para ser objeto de preconceitos por parte dos membros do grupo e deverá estar pronto para a solidão pois é na solidão que se constrói a singularidade que o transformará num "Deus".
E como um Deus ele deverá se posicionar acima da moral.  Ele não dependerá de aprovação e nem precisará dar satisfações.  Ele usará o seu tempo para criar livremente como criaria um artista que vê o mundo do cimo de uma montanha.  Este homem livre exercerá o seu "eu" natural em sua plenitude e, como a um Deus, estará acima de qualquer pecado.
Ele dominará sobre a terra aliado a sua mãe, a natureza.

A cultura do ressentimento

Da construção da moral como afirmação dos estados de dominação e submissão e seus princípios.

O universo é dinâmico e a sua dinâmica pauta-se na construção e destruição.  Tudo que nasce está fadado ao fim. Tudo tem a sua aurora, o seu apogeu e o seu crepúsculo.  É certo então que, ha sempre algo maior destruindo algo menor ou seja,  ha sempre algo dominando algo que se submete.
Nas relações humanas não é diferente.  É do espírito do homem o desejo de poder, o desejo de controlar já que, é a tentativa do controle ou o controle que afirma a sua existência.  Aliás, creio eu que, o maior incomodo do espírito do homem é a incerteza da própria existência.
Se é do espírito a vontade de poder e, se ha espíritos mais fortes e espíritos mais fracos ha espíritos que tem uma vontade de poder mais forte e outros que tem a vontade de poder mais faca logo, há tendência de dominância dos espíritos mais fortes sobre os mais fracos.
Os espíritos agrupam-se de acordo com às suas forças e criam mundos específicos para si.
Mas a dualidade dominação / submissão gera um desequilíbrio e todo desequilíbrio gera um conflito que nada mais é que a tentativa de ambos os lados de subjugar o outro.
No caso dos homens, que são animais que reagem ao meio, ha a criação de "ferramentas" que afirmam a sua existência e o seu mundo e que justificam a sua reação contra  outros mundos a quem antagonizam.
Neste caso a moral é a ferramenta que justifica a existência e o ressentimento do dominante e do dominado. Ambos se ressentem pelas diferenças que existem entre si por acreditarem que estas diferenças os ameaçam.
Entre os homens os dominantes rejeitam aos dominados por terem o medo de decair ao estado destes e os dominados rejeitam aos dominantes por não aceitarem o jugo e por não conseguirem ascender a posição dos mesmos.  Esta eterna luta entre classes é que movimenta a espécie humana numa competição eterna e os homens se aparelham por toda a sua vida para isso. É natural que o mau estar mantido por essa situação é o que inquieta o homem.  A luta por não ser dominado é a base das relações e o cansaço desta luta gera a doença.
O princípio da moral é, portanto, o ressentimento dos homens por outros homens e o seu papel é justificar os seus estados.  A moral é, desta forma, uma criação do homem e, portanto, é artificial e contrária aos desígnios da natureza.  Sendo assim, é falha e ambígua, passivel de várias formas de interpretação e geradora de conflitos.
Basta ver que a moral do dominante e a moral do dominado tem valores distintos.
O dominante valoriza a força, a riqueza, a competição e a vitória.  Já o dominado valoriza a humildade, a fraternidade, a temperança e a aceitação da vida entre outros, valores que caracterizam a tendência a submissão.
O dominante tem, sobre si, a responsabilidade de manter a sua posição a custa da submissão do outro e tem a tendência à luta.
Já o dominado tem o desejo (e não a responsabilidade) de ascender a posição do dominante e é induzido a não lutar.
Para o dominante sobra o medo de perder a sua posição e para o dominado fica o desejo crescente por conforto e a sensação incomoda da injustiça.
No caso da relação estado/cidadão no Brasil a subserviência do povo leva ele a criar uma relação de dependência em troca da harmonia.
É este equilíbrio delicado entre dominantes e dominados o que caracteriza o estado político brasileiro.
Quer me parecer que a paz relativa do nosso país é fruto da moral flexível e plástica do seu povo.

sexta-feira, 20 de novembro de 2015

Sobre o único amor

E quando penso que já esgotei o "falar de amor" eis que ele sopra em meus velhos ouvidos palavras novas!

Apenas por respeito e amor a língua usarei a pontuação para falar do amor  como manda a norma porém, a contragosto pois de amor deveria-se falar em torrentes, em cascatas, em cataratas na época das cheias.
Não ha e nunca haverá, sobre ele, assunto que se esgote.
Não se iludam os teóricos e alegrem-se os poetas.
Tenho desconfiado que o amor se esconde em cabelos brancos já que, quantos mais maior a clareza como o vemos. O verdadeiro amor só é acessível aos velhos.
Não! ...Não se entristeçam crianças!  A vocês deixo as divertidas e lúdicas paixões, muito a propósito para as suas joviais energias.
A mim e aos meus contemporâneos prefiro o amor na sua única e verdadeira forma; o amor dos pais.  Um verdadeiro amante amará o objeto do seu amor sempre como um pai ou, e melhor, como uma mãe.  Este amor será "incondicional", ou seja, não haverá uma relação de comércio entre amante e amado, coisa tão comum aos "apaixonados".  O verdadeiro amor será sempre doado, jamais negociado.
O amante desejará e, em função disso, criará um ambiente propício para que o amado receba o melhor da vida.
O verdadeiro amor levará o amante a proteger o amado, não importando o tempo, como protegeria a um recém nascido.
Suavemente o amante criará boas expectativas com relação ao amado porém às guardará para si em segredo de maneira a não desviar a rota natural de crescimento do mesmo.
Aliás, o amante deverá sempre ensinar ao amado a se construir "como a uma obra de arte" e de acordo com a sua absoluta vontade tendo o cuidado de, apenas, sugerir-lhe caminhos que achar mais seguros e proveitosos.
Cabe ao amante de amor verdadeiro o exercício de orgulhar-se do amado não se eximindo, porém, de corrigi-lo amorosamente quando este se desviar do caminho da bem aventurança.  Aliás, é de boa virtude ter a mão algumas formas de suave repressão para o caso de o amado rebelar-se como, por exemplo, contatos com pessoas que também o amem.
O amante de amor verdadeiro deve estar apto a sacrificar-se pelo amado como os pais se sacrificariam por um filho.
O amante de amor verdadeiro reconhecerá contínua e conscientemente o valor do amado e será grato pelo privilégio de ama-lo.
Mas, para o amante de amor verdadeiro, o maior e mais doloroso ato de amor será o abrir das portas que darão ao amado a opção e possibilidade de ir pois só quem é amante de amor verdadeiro será forte o bastante para libertar o amado.

O mel e o trono

Nada mais alto que o trono
Nada mais doce que o mel
Esperam o maná ao céu
Desejam estar no entorno

Vivem e rastejam em camadas
As profundas populosas
As do cimo nebulosas
Pelos muros envaidecidas

São diferentes manadas
São de cores diferentes
Caminham indiferentes
Às verdades sepultadas

De nada valem os sábios
Inúteis são os profetas
Ininteligíveis são os seus lábios

Caminham as ordas assim
Em direção ao trono e ao pote
Ladeadas pela morte
Num caminhar sem fim.

Eterna é a vida do poder
E venenoso é o desejo por ele.

quinta-feira, 19 de novembro de 2015

A palavra que induz ao erro

Sobre a palavra como representação da realidade e o problema da interpretação.

Acho que já falei do problema da palavra e o seu significado altamente flexível.  Mas não poderia deixar de comentar sobre a questão da palavra enquanto indutora do erro ou da ilusão até porque, isto tem me incomodado bastante.
A palavra tem, como princípio, a representação de algo.  Nasce, ela, da racionalidade quando, ao perceber as coisas como algo a parte de si e, desta forma, ao perceber-se a parte das coisas o homem sente a ânsia de nomeá-las para afirmar a sua própria individualidade.  Sem a palavra seríamos coisas como todas as coisas. Creio eu que os animais irracionais desconheçam o sentido profundo da individualidade e não tenham a capacidade de se perceberem como "algo a parte". Um animal deve perceber-se parcialmente como algo que não pode morrer e, por isso, luta pela própria sobrevivência porém,  esta necessidade de sobrevivência é limitada. É por isso que os animais não tem uma tecnologia que os proteja da morte e lhes de conforto.
Voltando à palavra, ela serve como representante de algo.  É uma "chave" para a formação de uma imagem mental que levará a uma sequência de idéias que gerarão uma reação.
Já que é algo que gera uma imagem a palavra tem o seu significado subordinado às experiências daquele que às recebe.  Portanto, a palavra tem os seus efeitos intimamente ligados à cultura do receptor.  Sendo assim, a palavra tem sempre a possibilidade de uma interpretação "poética" ou seja, livre e desencadeia reações variadas que dependem das experiências, principalmente aquelas ligadas ao emocional que geram memórias mais profundas; mormente aquelas ligadas a auto preservação.
Partindo destes princípios passo a imaginar que as várias formas de expressão da palavra tenham efeitos, também, vários.
A melhor forma, ao meu ver, seria a palavra falada e dita pessoalmente em função da sua carga emotiva e gestual que lhe confere vida, significado concreto, facilita a formação rápida de idéias e é melhor e facilmente memorizada.
Já a palavra escrita, esta sim, traz alguns problemas. O primeiro é, imagino, a falta de emoção já que, a palavra escrita é composta de símbolos que estimulam apenas a visão cujo senso estético e emotivo é limitado a cores e formas trazendo a tona reações baseadas em memórias bastante básicas. Esta forma de representação de algo é aquela que mais induz ao erro pois locutor e interlocutor tem vivências diferentes e significam a palavra de forma diferente. Neste caso,  a falta dos gestos e emoções na expressão criam um ambiente propício a interpretações muito diferentes e dão a palavra sentidos ambíguos e conflitantes.  Este "ruido" gerado pela pobreza de expressão da palavra escrita exige um trabalho maior e minucioso para expressar uma idéia sem causar às irritantes explicações e mau entendidos.
Por isso advirto a você que, gentilmente, lê os meus textos para que os leia de forma imparcial e com imaginação contida.
Lembre-se de que a palavra é uma representação pobre de algo que, em sua existência concreta, é muito mais grandioso.
Diz-se que a palavra é mágica porque pode se transformar em tudo o que quisermos, mesmo em algo que não condiz com a realidade.

Lapso

Outro dia.
Nada como um dia
atrás do outro.
Outros dias.
Os meus dias
e os dias dos outros.
Rios de tempo.
Corrente de esperas.
Esperança de dias melhores
que este dia
que passou rápido.
E ainda passa.
Sem despedidas.
Sem novos amores.
Apenas um dia
atrás dos outros
a quem sigo num mar de dias.
Velhos dias que ficaram.
E em cada um
células do meu rosto.
E o branco dos meus dentes.
E as cores dos meus olhos.
E a energia dos meus sonhos.
Dispersos nas horas dos dias.
Eu me gasto nos dias.
Me lapidam, os dias,
como a um bom e velho diamante.
Ou como um vinho caro.
Porém, nunca o bastante.
Peço perdão ao dia por ser avaro.
Pudera eu entregar-me aos dias.
E vive-los de adiantado
como saboreia-lhe o menino.
E um dia...
Quiçá um dia...
Das dores já esquecido,
morrer de saudades
dos dias passados.

quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Descrição

A porta e o sorriso atrás da porta.
E a saudade sucumbe, morta
Num abraço.
O vidro e o sol na cor da pele.
A espera que a saliva revele
A lagrima.
O chão e pés que rodopiam.
Dançam cada alegria
Em passos.
Cadeiras e calças surradas.
Mãos suavemente dadas.
Palavras.
Sensação forte do tempo que passou.
A parte do outro que eu sou.
Memórias.
Pedidos e admoestações.
Jubilosos e infantes corações.
Abraço.
E tudo a um passo
De fechar um ciclo
E começar outro.



sábado, 14 de novembro de 2015

Contrário

Hoje vou me levantar às 7:30
Não às 6:00.
Tomarei chá
Não café.
Vou esquentar o motor do carro
Mas vou a pé.
Vou cumprimentar a todos
Menos o porteiro.
Vou abraçar quem chegar primeiro.
Comerei uma fruta
Não vou almoçar.
Trabalharei sorrindo
Sem reclamar.
Não serei maledicente
Nem invejoso.
Tratarei o que me ofende
De modo jocoso.
Ao voltar pra casa
Andarei a esmo.
Serei por um dia
...Eu mesmo.
Eu Exmo.

O outro invisível

De como a consciência da existência do outro nos insere na vida.

Já disse, e acho que, alem de mim, outros já disseram que, o homem é um ser inconcluso, acho eu, o único ser inconcluso já que, a sua evolução ou "adaptação" se da instantaneamente e não em milênios.
Por ser "inconscientemente consciente" da sua inconclusão o motor do homem é a "procura" da sua conclusão alimentado pela esperança de encontra-la.
Mas, assim como um viajante precisa de um mapa que lhe de referências sobre onde ele está e sobre como chegar ao destino desejado, o homem também precisa de um "outro mapa" que lhe indique quem ele é e, baseado nisto, como deverá ser para se concluir.  Ao estado concluso o homem chama de "felicidade". A conclusão de si é o sonho de 100% da humanidade. 
O amor e a fome (reprodução, conservação da espécie e auto preservação) movem o homem instintivo mas, ao homem consciente de si, ao homem que sente o mundo "sem a sua pele", ao homem que é tocado por tudo estando em carne viva, a este move-lhe a necessidade do descanso ao fim da obra, move-lhe a necessidade da auto conclusão.
O "outro mapa" acima citado é a referência a partir de uma outra pessoa.  É a outra pessoa como "espelho". Você se comporta e, ao te perceber se comportando, eu me vejo me comportando de forma igual já que somos iguais e, desta forma, temos as mesmas possibilidades de comportamento.  "Eu te percebo como "eu" e, de acordo com o que gosto ou não "em" mim eu gosto ou não "de" mim... em você e gosto ou não de você." Mas você, o outro, é necessário e, digo mais, é imprescindível na construção da minha identidade para eu mesmo.
Sem o outro eu não sei quem sou e, sem saber quem sou, eu não vejo uma conclusão possível para mim.
Para o homem, ainda sem a razão, a vida em grupo, ou seja, a criação da sociedade se da em função da consciência da sua fragilidade física perante uma natureza exuberante e cruel.  Para o homem, já portador da razão,  a vida em grupo ou em sociedade se faz necessária para a construção de uma identidade (caminho) que o levará a sua conclusão e a "paz" ou "descanso eterno".
O problema é que o indivíduo vive em três mundos:
Aquele que ele cria para si, um mundo ideal;
Aquele que ele cria para o outro, um mundo não facultativo onde "o outro deveria ser aquilo que eu desejo" e;
O mundo real, aquele em que tudo foge ao meu controle me contrariando o tempo todo e me obrigando a lutar ou a me submeter (dominação e submissão, "ser ou não ser...").
A tempestuosa interação entre estes três mundos é o substrato do homem,  o solo onde ele viceja, floresce e frutifica sem parar e sem se concluir ou seja, a interação destes três mundos gera um ruidoso e incomodo conflito que inquieta o homem.  O homem é um animal que vive atormentado pelas possibilidades e pelos seus limites diante delas.
Diante deste, aparentemente, interminável conflito o homem turva a sua visão para o outro desenvolvendo do outro uma imagem distorcida ou, até, uma "não imagem". Vemos o outro como uma sombra ou como nada.
"Santo de casa não faz milagres! "

sexta-feira, 13 de novembro de 2015

O fantasma do meu pai - III

A contribuição das sombras paternas sobre a construção de padrões comportamentais.

O medo como entrave nos ritos de passagem

A criança que não quer crescer.

Ha em toda sociedade ou grupo humano os ritos de passagem.  Acontecimentos que marcam a passagem do indivíduo de um estado a outro. A criança passa da infância a idade pré adulta onde começa a ser treinada  a assumir responsabilidades que a levarão a ser aceita e respeitada no grupo como um membro efetivo e útil.  Os indivíduos deixam a vida de solteiros e, após o rito de passagem (casamento), tornam-se um casal assumindo as responsabilidades e comportamentos que os caracterizam como "não solteiros". Os velhos entregam às suas posições e responsabilidades assumindo a imagem daqueles que se preparam para deixar a vida.
Na verdade eu imagino que todo limite de tempo, aquelas "ocasiões especiais", são ritos de passagem que nos permitem sentir o tempo que passa.  É como se estabelecessemos um "lugar" onde aquela sensação do momento ficasse congelada tornando-se um marco do antes e do depois.
Ritos de passagem a meu ver, são também,  característicos de outras espécies além do homem.  O ato de "desmamar" ou o abandono do filhote são exemplos de ritos de passagem.
Toda essa complexidade que a natureza da a esses ritos  prova a sua importância e mostra que a natureza quer que às espécies evoluam e cumpram o seu papel, ou melhor, o papel que ela designa.
Imagino portanto que, na dinâmica do desenvolvimento como ente natural, tem sucesso ou é "feliz" aquele que passa por todos esses ritos.
Um indivíduo que não passa por estes ritos de passagem fica preso num momento da sua história psíquica enquanto o seu corpo evolui.  É como se o homem fosse um instrumento musical que necessitasse de afinação.  O desenvolvimento seria, desta forma,  uma "regulagem" ou "ajuste" continuo entre desenvolvimento fisico e psíquico.
Ora, temos aqui, com relação às influências dos pais sobre os filhos, um paradoxo.
Numa relação natural ou seja, numa relação pais/filho onde os desígnios da natureza são respeitados, os pais amarão ao filho como a sua perpetuação e como à sua obra de arte.  Desta forma,  amarão ao seu filho desejando-lhe o melhor e o prepararão para a vida cônscios de que as situações impostas pela vida trarão dificuldades ao filho e ele deverá adaptar-se a elas.  Amorosamente ensinarão ao filho a enfrentar às adversidades da vida. Farão ele entender que ser feliz é adaptar-se, agir com inteligência, seguir a ordem natural da vida e , acima de tudo, o tornarão auto suficiente para que ele possa construir-se como uma obra de arte.
Porém, entre nós animais culturais ou seja, animais que vivem num meio artificial que foge a ordem natural, a situação é mais complexa.
Acredito que, numa sociedade cuja distância entre o homem e a natureza seja tanta que o homem já não se reconhece como parte dela e já não percebe a sua dependência e subordinação, nenhum indivíduo possa ser absolutamente saudável.  Todos temos alguma distorção em nossas rotas, distorção essa que caracteriza a artificialidade do mundo que criamos. Estas distorções geradas por essa artificialidade  mantém o homem em profundo e constante conflito com o mundo.   Naturalmente herdamos dos nossos pais às distorções deles, as desenvolvermos e transmitimos aos nossos filhos. Desta forma é de se esperar que as relações entre pais e filhos tendam a criar, para o filho, uma imagem relativamente distorcida da vida tornando o seu comportamento com relação à ela também distorcido.
Lamentavelmente uma das características das relações humanas, já que artificiais, são os extremos ou a instabilidade que dificulta à criança a formação da sua personalidade. 
Numa relação em que os pais super protegem ao filho ou lhe dão conforto excessivo e, ao mesmo tempo, o amedrontam com relação a vida com a intenção de protege-los a criança tende a não abandonar a infância desenvolvendo um comportamento infantil e "birrento" enquanto o seu corpo se torna adulto.  Para este adulto/criança a vida é uma sucessão de contrariedades.  Por outro lado este adulto / criança é algo estranho à natureza e, em função disto, vive em constante conflito com o mundo.  Para ele o mundo lhe é antagônico e incompreensível e para o mundo ele é um corpo estranho.  Este indivíduo procurará a felicidade como se fosse merecedor sem o esforço necessário para construir-se. Desejará o bem estar como uma criança mau educada deseja um brinquedo numa loja. Ele não percebe que, entre o desejo e a aquisição de algo, ha uma fase em que ele deverá mensurar os custos e deverá "pagar" pelo objeto ou objetivo desejado.
Ora, é óbvio que, nesta relação desnaturada com o mundo o homem, por ser infinitamente menor que o mundo, tende a doença e ao sofrimento. Este adulto/criança não percebe que o sofrimento, a luta e a competição são parte da vida e que viver é, também, sofrer, lutar e competir.  Desta forma este indivíduo simplesmente não aceita a vida e não admite a sua pequenez diante dela e sofre. Como uma criança teimosa ele repudia todas as formas de felicidade que lhe é oferecido porque vê a aceitação deste bem como um ato de libertação que lhe afastará da segurança oferecida pelos pais. 
Ele cultuará os seus fantasmas e assumirá um personagem trágico criando para a sua vida uma imagem de um mar de sofrimentos potencializando esta imagem com atitudes boas como um bom filho que se sacrifica para alegrar aos pais com medo do abandono.  Para satisfazer e legitimar (pelo menos para si) o personagem infantil ele criará em torno de si um ambiente com características infantis.
Assumirá comportamentos infantis dando livre vazão ao egoísmo, ciumes, crueldade, intolerância e profundo arrependimento perante às suas atitudes.
Sofrerá, principalmente, com o diálogo conflitante entre a criança que deseja ser e o adulto que o mundo exige que ele seja.  Para ele toda responsabilidade será dolorosa e ele desejará sempre alguém que lhe faça o papel de pai.
Como já mencionei, eu creio que o equilíbrio pode ser alcançado ajustando-se às instâncias psíquica e física criando-se "ritos de passagem" que "atualizem" o homem.  É claro que não creio em algo que traga a cura externamente mas creio sim, na auto cura ou seja,  creio que o indivíduo pode ser orientado para o equilíbrio mas de forma que ele se equilibre com às próprias capacidades.  Só assim ele partirá do princípio de que ele é o artífice de si mesmo.
Só assim o meu pai poderá descansar em paz.

O fantasma do meu pai - II

Dominação dos pais e a memória do comportamento.

Vou chamar de "memória do comportamento" à aquelas memórias que acessamos quando nos deparamos com situações que exigem alguma atitude.  Estas memórias definem o sucesso ou o insucesso das relações entre homem e mundo.
Temos a tendência de guardar na memória aquilo que nos impacta de forma mais forte.  Não preciso dizer que os nossos pais ou aqueles que cumprem de alguma forma este papel são os que tem grande influência na formação destas memórias.  Neste caso é comum frases como "já dizia o meu pai" ou "aprendi com os meus pais" entre outras.  Estas formas de expressão do sentido de valor que damos às memórias formadas em nós por nossos pais mostram a sua importância.  Mas quero deixar aqui a expressão "memória" como "presença".
Aquilo que guardamos como memórias nada mais é que a representação daquilo que às formou.  Os ensinamentos e às ações dos nossos pais são representações dos mesmos.  São seus representantes.  São, em algum sentido, os seus fantasmas que influenciam fortemente a formação da nossa identidade, ou seja, a construção do que somos. E a presença dos nossos pais representados pelas memórias por eles formadas reprimem o nosso livre desenvolvimento, ou seja, reprimem a construção da nossa identidade por nós mesmos.  Impedem a construção da nossa identidade como nossa obra prima.  Os fantasmas dos nossos pais impedem que nos construamos como obras de arte.
Por outro lado, quando a segurança oferecida pelos pais à criança é confortável há a tendência de o indivíduo não desejar abandona-la. Neste caso o homem presta culto aos fantasmas ao invés de exorciza-los.

Este é o pássaro que não voa por não desejar abandonar o ninho.

O fantasma do meu pai -I

Sobre a opressão das sombras de nossos pais.

A competição inevitável como princípio da dualidade dominação / submissão.

O homem, em virtude da sua razão e, consequentemente,  auto consciência carece de uma identidade, ou seja, ele necessita saber quem e o que ele é e precisa dessa identidade como princípio do sentido de tudo.
"Sou alguém, sou algo, existo e saber isso da um sentido primordial a minha existência"
Mas para saber e saber-se o homem precisa de referências e já nasce aparelhado para colher essas referências do meio onde se encontra.
Também, já nas primeiras experiências, o homem recém nascido se depara com a dualidade dominação/submissão ao perceber os seus limites com relação a um mundo infinitamente maior que ele e, ao se deparar com essa triste dualidade que governará a sua vida, o homem ou o bebê se insurge e protesta chorando.  Aos poucos, porém, o homem admite a sua inferioridade diante do mundo e começa a tentar fazer as pazes com o infinito.  Por ser infinito é óbvio que esta paz não advirá, quando muito uma convivência pacífica baseada na submissão do homem à natureza ou a sua destruição por conta da sua rebeldia.
A natureza não aceita um "não" e, também, não negocia.
Voltando a questão das referências formadoras da identidade o homem tende a procura-las em fontes que lhe ofereçam segurança consequentemente, fontes a quem ele delega um valor maior ao que da a si mesmo ou seja, o homem procura uma liderança, alguém com atributos que ele considera especiais, alguém maior, com autoridade.
As primeiras autoridades a quem ele confia a sua vida são os seus pais. E é com esta primeira relação com outros humanos que ele exercitará as suas atitudes diante da dominação.  Nesta fase ele aprenderá a medir e testar o poder dos dominantes com relação às possibilidades do antagonismo do dominado, ele mesmo.  É nesta fase que ele aprenderá a competir e a sua personalidade será tão forte quanto for a sua capacidade de oferecer resistência à dominação de forma pacífica e harmônica.  Começa aí o grande jogo da existência humana.

quinta-feira, 12 de novembro de 2015

Reajo

Um som ecoa
A luz invade a fresta
Sem licença minha
O mundo soa

O ar resvala
O vento eriça pelos
A boca amarga
Não tem palavras,
Cala

A imagem movimenta
Sigo a trajetória
A luz me leva
Onde o olho alcança

A pele é fina
A carne é fraca
O nervo exposto
E eu sinto o mundo.

quarta-feira, 11 de novembro de 2015

Santo de casa

Sobre a dificuldade em se perceber as coisas boas que temos.

Tenho comentado sobre  o substrato conflitante onde o homem se desenvolve, a dependência do homem com relação ao outro na construção da sua identidade e a distorção da imagem do outro ou até a impossibilidade de percebe-lo em função da confusão gerada pelos conflitos vividos.
O que eu comento agora é o fato de que, em função destes intermináveis conflitos,  o homem desenvolve uma imagem distorcida de tudo e não percebe ou percebe parcialmente ou eventualmente aquilo de bom que já conquistou ou que lhe é oferecido.  É a velha questão de "a grama do vizinho ser mais verde que a nossa".
Sentindo às dores dos seus mundos conflitantes o homem procura e delega à procura um valor sempre maior do que o valor dado a aquilo que conquistou ou já tem.
Iludido com a visão desnaturada de tudo ele procura qualquer coisa que leve a sua própria conclusão e não percebe que a conclusão que tanto procura exige a conquista de estados e elementos específicos e nunca aleatórios.  Neste contexto a imagem deturpada de tudo leva-o a crer que os outros são mais felizes e estão em vantagem e, então,  ele crê que as coisas do outro são melhores do que as dele e que a aquisição destas coisas seria a solução para os seus problemas.  É o princípio da inveja que nos impele a desejar.
O desejo por coisas ou condições que não são as que nos cabem ou que não sejam às que temos nos levam a "procurar no lugar errado" desperdiçando o tempo que nos é dado para a nossa própria construção.
Por outro lado, ao procurarmos fora daquilo que já temos a nossa "felicidade" deixamos de perceber o que temos como algo de valor.  "Às vezes é preciso perder para dar valor. "
Não quero dizer com isso que o desejo seja deletério para o desenvolvimento do homem mas o desejo deve mirar aquilo que engrandecerá o indivíduo ou seja, aquilo que será ajuntado a construção da sua identidade, sem atingir o outro de qualquer forma.  Acho que este é um princípio ético.  Nunca incomodar ninguém durante a construção da nossa identidade deixando que o outro esteja livre para construir a sua, ou seja,  a construção de uma identidade é um ato solitário onde podemos escolher às influências ou elementos necessários porém,  sem que isto altere a rota do outro.
Um fenômeno interessante que noto é o fato de o homem parece preferir o "modo infantil" para abordar às suas relações com os mundos onde vive agindo de forma impertinente, desejando tudo a revelia do mundo, ou seja, "eu quero, eu mereço, o mundo tem que me dar e, se não me der ele é injusto.
Eu gosto de imaginar as pessoas se jogando no chão e esperneando e gritando querendo a felicidade a qualquer custo.  Sobre essa fuga de volta a infância vou deixar "o fantasma do meu pai" falar.

Há um adulto, uma criança mimada e um tutor austero e rígido numa interminável disputa pela liderança em todo homem.

domingo, 8 de novembro de 2015

O novo capitalismo

Para quem gosta de salada mista o Brasil contemporâneo é um prato cheio.
Nunca, em toda a história desse país, o povo teve acesso a tanta informação de forma tão rápida e, tragicamente,  contraditória.
Assim como sempre aconteceu, a informação pertence a elite formada pelos detentores do capital e essa informação chega a plebe graças ao medo de se contrariar esse gigante bêbado que é o povo mas chega, naturalmente, filtrada, confusa e deturpada de forma a doutrinar para a burrice.  Aliás, a burrice já é cultural e é "ensinada" nas escolas e em todos os campos onde ha um ambiente propício à doutrinação.
Um dos efeitos desta bem planejada doutrinação é a impossibilidade de se cultivar uma memória histórica que nos permita obter referências para entendermos aquilo que acontece a nossa volta.
A rapidez com que se veiculam informações contraditórias e atraentes e a falta de tempo para uma eficiente "digestão" destas informações cria um tipo de cidadão totalmente fora da realidade mas com ares de "erudito".
É absurda a quantidade de especialistas em tudo que se encontra nos ônibus, praças públicas, bares, industrias, etc. 
O povo sabe tudo, menos que não sabe.
O grande agitador das massas neste país é o incomodo infundido pelas mídias que se esmeram na contradição em prol de audiência mas, principalmente, na busca pelo poder, ou seja, pelas rédeas da grande manada humana geradora de lucros.
O que ninguém percebe é que o capitalismo muda de roupa e o sistema que se quer derrubar hoje renascerá com uma cara diferente, sempre bela a princípio mas velha e encarquilhada a partir do momento em que fincar às suas raízes.
A revolução só serve para apaziguar a ira sem ideais do povo que, esquecendo-se do passado, busca destruir o presente levado pela esperança de um futuro melhor, esperança essa "plantada" pelo próprio sistema.
Meu querido proletário, homem do povo, cidadão, não haverá um estado melhor e nem a revolução trará a igualdade e a fraternidade.  Nunca deixarão de existir "poderosos" e "descamisados". Jamais deixarão de existir discursos emotivos com promessas de uma vida melhor porque...o capitalismo precisa muito de você, pobre diabo desinformado metido a entendido que, apesar de entendido, continua ganhando pouco e continua sonhando com a vida da classe média que sonha com a vida da classe rica que tem pesadelos com a possibilidade de, um dia, você vir a acordar.
O sistema capitalista precisa de escravos zumbis movidos a despertadores matutinos alimentados por informações vazias e redes sociais.
Que caia o governo e que os ventos do norte nos traga o novo capitalismo.

A xícara

Ainda não sei do mundo
Ainda sonho
E o vapor do café hipnotiza
É um momento fecundo
A gestação do dia
E o tempo desliza
Pra debaixo da mesa
Flutuando na cadeira tento em vão
Definir se existo
Ou sou ilusão.

Só o mundo é real
Eu não.

quinta-feira, 5 de novembro de 2015

Papéis

Eu me prendo às fotografias
Pedaços de tempo congelados em papel
Me seguro em imagens que o vento
Tenta arrancar da alma fria
Qeu hiberna em mim
Eu ando nas fotografias com meus 17 adolescente
Ainda amo o amor de orvalho
Que vira vapor ao sol
Meu pai é jovem
Minha mãe é moça
Mas na fotografia já se apiedam do jovem em pé
Que se dobrará diante da imensidão de tudo
Meu pai deu-me, como herança, os olhos tristes
Dos que sabem da própria incapacidade de conhecer tudo
Da mãe herdei a abnegação tardia a custas de feridas secas
Sou o homem da fotografia que olha incrédulo aquilo que me tornarei
Sou o homem póstumo que olha, na fotografia, aquilo que nunca fui.

quarta-feira, 4 de novembro de 2015

Meu

É meu,
Me iludo,
"Meu" é tudo,
Que tenho.

É meu,
Pertinente,
Impertinente,
Eu.

É meu,
Até que outro eu,
Toque o que é meu,
Diafano meu,
Desperto do sonho.

Meu,
Brisa e neblina,
E a luz descortina,
O dia e a vida,
Só eu,

Nada é meu,
Tudo se dissolve,
Tudo se resolve,
Como gelo ao sol.

Nada e meu,
Mas, Deuses meus,
Como eu desejo tudo!

domingo, 1 de novembro de 2015

O paradoxo de tudo

Não tema, não se importe.

Tudo é feito para dar certo porém, tudo é feito para dar certo se todos agissem sobre tudo da mesma forma.
Para que existisse a verdadeira paz o homem deveria estar seguro de tudo o tempo todo.
Paz é sinônimo de certeza, de segurança com relação às coisas e a prova de que não há certezas e que vivemos de expectativas.
Ter expectativas, ter fé significa que esperamos algo e se esperamos não temos a certeza com relação a esse "algo".
Num estado de paz verdadeira não pode haver esperança já que, aquilo que não esperamos vai acontecer com certeza.  Temos absoluta segurança com relação a tudo.  Tudo acontece porque tudo foi feito para acontecer da forma que nos satisfará.
O homem vive num mundo, artificial e criado por ele a sua imagem e semelhança, onde reina a incerteza e a insegurança.  Desta forma, incerto de tudo o homem espera que tudo de certo.  Ele fecha os olhos e torce para que às suas expectativas sejam satisfeitas.  Se não são ele sofre e culpa aquilo que não o satisfez.
Assim, por exemplo, a ética só funcionaria se todos fossem éticos, a igualdade funcionaria se todos fossem iguais e a fraternidade só seria efetiva se todos se amassem como irmãos deveriam se amar.
Alias, quando pensava em escrever este artigo o que me incomodava era exatamente o paradoxo do amor incondicional.
Se alguém ama incondicionalmente deveria ser feliz amando o outro sem esperar nada.  Porém o amor "incondicional" vem recheado de expectativas alheias ao outro ou seja, o outro, na maior parte das vezes, não sabe que o amante espera algo em troca do seu amor.  Quando o amante não recebe aquilo que "incondicionalmente" esperava ele sofre e coloca toda a culpa da sua dor no objeto amado que, sem saber, não satisfez às expectativas do amante.
Ve-se então que a paz no amor ou em qualquer âmbito do relacionamento humano só seria possível se todos abandonassem os seus livres arbítrios e se tornassem "formigas" cumpridoras dos seus deveres.
Difícil não? !
O homem é uma espécie de formiga rebelde.  Vive ele numa sociedade como a das formigas porém não quer cumprir com aquilo que é estabelecido para se manter um estado de paz nessa sociedade.
A paz nesta sociedade exige a solidão pois apenas abdicando às expectativas e a esperança se pode obte-la e só se consegue tal intento se eliminarmos a figura do outro e aceitarmos o desconforto de uma alto identidade, ou seja, se aceitarmos a manutenção da nossa identidade sem as referencias externas.
Não ha e nunca haverá paz no amor.
O homem é uma formiga que sonha em ser um tamanduá.

sábado, 31 de outubro de 2015

Manual Drummond-ano

Bom é ler Drummond depois das refeições,
De barriga cheia!
Também melhor é ler quando não se é presa de paixões.
Le-se devagar, sem compromisso pois, só assim faz sentido.
Le-se de ouvido,
Pois é preciso ser um virtuoso.
É bom que se leia de passagem,
Como quem não quer nada,
Como se já conhecesse.
É preciso "ver a imagem"
Do que é dito.
Sentir o bafo de Itabira,
Fogões a lenha de Minas.
Gerais são as sílabas de Drummond.
Acho que para le-lo urge ser-se esnob, afetado,
Ler sempre sentado,
Com os óculos pendurados no nariz.
Cabe ai um pouco de amargura,
Bem pouco.
Drummond não é pra gente "feliz".
Drummond e pra gente que sabe que a vida, as vezes, dói...

quinta-feira, 29 de outubro de 2015

Eloquência

Eu preciso falar menos
Ao menos, menos com a palavra.
A palavra crava um espinho ilusório;
Crava na carne da alma
E a cega ou turva a sua visão.

Não.

Eu preciso falar mais,
E ha tanto a dizer!
Mais que fazer
Dizer tudo antes é preciso.
Eu preciso que me conheçam.
Preciso ser notório,
Ou famoso.
Preciso desfrutar do gozo
De ser conhecido,
Mas sem palavrório.

Eu preciso que você,  "outro" me reconheça
Como entidade a parte de
Ti, o outro.
Eu quero o encontro das duas naturezas,
Minha e sua.

Eu, Sol, te desejo, ó Lua!
Contrário de mim,
Oposto.
Visto e posto que só em ti,
Adverso,
Vejo refletido a mim, verso.
Só e quieto me encontro em ti,
Sem palavras,
Apenas sentir.

Eu não sou o meu corpo.

Ou: o mito do macaco bebado como forma de transcendência.

Na África, na minha amada savana, alguns animais comem alguns tipos de frutas após a sua fermentação.  No processo de fermentação o açúcar da fruta é convertido em álcool que é um dos mais conhecidos narcóticos.  Acho que poucos desconhecem os benefícios e os malefícios deste tipo de ansiolitico.
Ao ingerir tais frutas fermentadas esses animais entram num "mundo sem corpo" onde eles experimentam a verdadeira existência livres da matéria.
São lapsos de consciência absoluta que dizem aos animais; --"você não é o corpo! "

"Advertência"
Este texto não faz apologia ao uso indiscriminado e irresponsável de qualquer tipo de narcótico.
Este texto tenta mostrar que podemos nos auto conhecer a partir de experiências de super consciência.

O que aprendo ao entrar neste estado alterado de consciência é que ha uma distinção entre o corpo e algo a que chamo "eu verdadeiro".
Ao "entorpecer" o meu corpo eu me liberto das amarras materiais e me percebo.
De repente tudo faz sentido.  Tudo é inteligível.  Tudo é, naturalmente,  criado por mim ou pela minha ferramenta de criação, a saber, a mente.
O homem tem medo das verdades advindas deste estado alterado e, por isso, foge dele e cria Impecilios e arquiteta preconceitos para dificultar a sua implementação.
Mas aqueles que tem a coragem de adentrar ao portal da super consciência conseguem ter a visão plena de tudo.
Ha um grande risco, eu os advirto.
O risco da escravidão, assim como ha o risco da escravidão pela ilusão para aqueles que se acovardam diante do abismo.
Mas o que eu quero dizer com esse."falatorium" é que, todos nós procurarmos nos entorpecer o tempo todo com todo tipo de "narcótico", seja ele cultural ou químico, para fugir não da realidade mas sim, da irrealidade que criamos para encarcerar o verdadeiro eu.
É por isso que se fala tanto em "libertação". É por isso que se busca tanto a felicidade (felicidade que nada mais é que a transcendência ao eu ilusório que usamos como máscara para nos escondermos).
A esperança é a expressão do medo de sermos nos mesmos plenos de autenticidade.
A esperança é a fuga ao exercer-se como ente natural.
Ansiamos (morremos de ansiedade) ao trabalharmos ininterruptamente para mantermos escondido aquilo que verdadeiramente somos.
É por isso que eu bebo...com moderação.

terça-feira, 27 de outubro de 2015

Deuses possíveis

Já falei muito sobre a esperança e seus efeitos.
Disse outras vezes que, tanto quanto a razão, o que distingue o homem, aquilo que o evidencia na natureza é a esperança.
O homem espera pois na esperança ele descansa das realidades conflitantes que o atormentam.
Mas ele sabe que não basta esperar.  Ele precisa agir em direção daquilo que espera. É necessário, para que ele se sinta "cumprindo o dever", que ele perceba o próprio movimento em direção a coisa esperada.
E o homem anda, estimulado pela esperança e auto alimentado pelo movimento, em direção ao desconhecido ou, em direção ao nada.
Todo este "palavrorium" soaria como a negação da vida se eu não fosse uma criatura nietzscheniana. Seria um niilismo triste se não fosse o niilismo que nega a morte.
A vida humana se bifurca em dois caminhos distintos:
Ou negamos a vida e vivemos um sonho turbulento onde, eventualmente, submergimos em direção a superfície da realidade e, covardemente, emergimos novamente no mundo onírico ou procuramos da vida o sentido.
Viver num mundo de sonhos onde fingimos ter controle sobre às coisas é negar a vida definitivamente.
Procurar o sentido da vida é negar a morte porém, é negar a morte baseado numa vida idealizada e, portanto, impossível pois (obrigado fonte da minha inspiração) A VIDA NÃO TEM SENTIDO!
A vida é um processo gigantesco que foge às nossas vistas e controle porém, creio eu que, o absurdo que é a vida tem um propósito já que tudo no universo tem um fim. Tudo é tese, antítese e síntese.  Tudo gera um produto final como se esse produto final fosse "necessário" e, se é necessário pede satisfação mas, a satisfação de quem?  Ou do que?
Se a espécie humana, com os seus milhões de anos, ainda não encontrou o sentido da vida ela encontrou sim o seu "não sentido", e o não sentido da vida nada mais são que os limites do entendimento humano.  Os Deuses do infinito constroem, infinitamente, o caminho que trilhamos enquanto trilhamos tornando o nosso andar, também, infinito.  Não ha e nunca haverá uma chegada para a necessidade de conhecimento do homem.
Estamos fadados a procura e, por procurarmos, esperamos e, por esperar procuramos num eterno ciclo que se repete indefinidamente.
Pois bem, mas não será este infinito processo de procura e esperança algo necessário a manutenção de alguma coisa maior que nós?
Não seria a procura por um sentido para às coisas a energia que manteria a existência de outra energia?
Talvez devesse o homem aliar a filosofia um novo paganismo.
Eu me pergunto todos os dias, o que ha mais adiante?

sexta-feira, 23 de outubro de 2015

Exilado

A árvore não pensa.
O tempo passa.
Raízes a prendem ao chão.
Pedras não sentem,
E o vento sopra
Esculpindo a pedra,
Erosão.
O sol se move sobre as coisas.
O sol as queima e amadurece.
Nada é lembrado,
Nada se esquece.
Tudo se move a minha volta.
Tudo a mim é alheio.
Nada e belo,
Nada é feio.
Tudo tem seu tempo de ir.
Tudo tem momento de vir.
Vive e morre a natureza.
Tudo se vai...
Só eu morro de amor.

Injusto.

A arquitetura da realidade

Como já disse outras vezes, creio que cada um constroi as suas realidades e a estrutura destas realidades são formadas pelos conhecimentos e o homem vivência tais realidades de acordo com a forma como interpreta e aplica seus conhecimentos adquiridos ou intuídos (inferidos).
O homem sofre, desta forma, as inquietações geradas pelos conflitos que ha, invariavelmente, entre as realidades criadas por ele, as realidades dos outros e a realidade do universo que o cerca.
De todas as realidades as únicas passíveis de mudanças pelo indivíduo são aquelas criadas por ele mesmo e, já que as realidades criadas por ele são baseadas nos seus conhecimentos, somente adquirindo conhecimentos e os interpretando e aplicando de forma a se harmonizar com o outro e com o universo  é que o indivíduo poderá ter vislumbres da tão desejada paz.
O problema é, como podemos saber o quanto estamos em harmonia com o todo?
Qual o grau de distorção da nossa visão de mundo?
Teremos a capacidade de percebermos quem somos, quem e o que é o todo?
Podemos mensurar o quanto somos influenciados pelo todo e o quanto o influenciamos?
Os conflitos gerados pelo choque entre visão de mundo do indivíduo, visão de mundo do outro e a realidade altamente mutável do universo são terrivelmente dolorosos e não raramente levam a distúrbios psicológicos e comportamentais tornando o indivíduo um "corpo estranho" à sociedade.
Chamo de sociedade aquele grupo de pessoas que se ligam pelo senso comum.
Ora, poderíamos aventar a possibilidade de criarmos uma forma de medirmos o espectro formado pela visão de mundo de um indivíduo com vistas a aproxima-lo da realidade ou seja,  de forma a aproxima-lo de um estado de harmonia com o todo e de aproxima-lo de um estado de relativa paz já que a paz nasce da segurança gerada pela participação de um grupo.
Já a princípio esbarramos na questão da referência primordial pois para criarmos uma forma de medida precisamos de algo que nos embase, precisamos de um padrão.
Então, como seria um padrão de realidade universal que, aliada as realidades do outro nos serviria como padrão?
Quais os atributos destas realidades deveríamos ajuntar?
Imaginando que conseguíssemos criar este padrão criariamos uma escala que iria do absolutamente inserido na realidade até o absolutamente fora dela e, a partir doa dados coletados via comparação poderíamos definir quais conhecimentos e comportamentos levar até o indivíduo de forma a traze-lo para um estado harmonioso com o todo.
Divaguemos.