domingo, 23 de agosto de 2020

Ratos

Eles sobreviverão
São iguais
Bons na fome
Imunes a dor
Respiram fumaça

Eles dominarão
Casuais
Sem nome
Por amor
Uma velha nova raça

Se multiplicarão
Abissais
Massa disforme
De valor
Onde a união grassa

São paupérrimos
Não tem nada
E, por isso
Nada tem a perder

Tudo passará
Todos passarão
Eles... não.

quarta-feira, 17 de junho de 2020

Necessidade

O humano é movido pela falta
O homem procura 
Não existe a loucura
O humano é movido pela falta
Eu falto a quem me procura
O que eu procuro me falta
O humano move-se pela falta
Nunca houve loucura
É o amor uma busca
Lacuna, vazio, objetivo
Não pode existir o inativo
Tudo se move pela falta
Quer se completar o incompleto
Quer definição o indefinido
Quer a parada o que se move
E desimpedir-se o impedido
Os humanos movem-se pela falta
O sentido é a procura
Jamais houve loucura
Tudo é busca por sentido
E a quem é isento da falta
Não é dado ter existido

sábado, 6 de junho de 2020

Testamento

Eu sei que eu vou morrer de amor
Afogado num barril de vinho
Com um enorme sorriso
Cercado por todos que amo
Com a mesa farta
E todos os compromissos honrados
Sem nenhum inimigo
Ao lado do meu cachorro
Com todas às contas pagas
Com todas as portas trancadas
Tendo molhado as plantas
E lido o último livro
E filosofado sobre a última idéia
E tendo escrito um livro
E beijado todos os meus netos
E abençoado todos os meus filhos
E me despedido dos amigos
E tomado o último banho
E dobrado o meu pijama
E pedido perdão
Plantado árvores e idéias
E dito o último impropério
E tendo perdoado
E segurado as suas mãos
E olhado nos olhos de todos
E dito o último "eu te amo"
E  feito amor com você
E eternizado o amor por você
E eternizado o amor por vocês
E dito "até já"
Então eu morrerei
Afogado num barril de vinho
Morto por tanto amar.
E vou...
Para preparar uma casa aconchegante para todos nós.

sexta-feira, 5 de junho de 2020

Entre dedos

Eu não queria
Mas tenho medo de perder
Não me moveria
Para não desvanecer
Não desejaria
Se o poder me fosse dado
Me trairia
Sem o objeto desejado
Não me apaixonaria
Se não fosse irresistível
E resistiria
Se resistir fosse possível
Eu odiaria
Por ser feito prisioneiro
E não amaria
Não fosse voluntário o cativeiro
Eu voaria
Para longe se pudesse
Não fossem as asas
O amor quem as me desse

Eu inteiro
Sou metade
Apaixonado
Um e meio.



quinta-feira, 21 de maio de 2020

O problema da sedução nas mulheres velhas (au vin)

Os cabelos brancos.
A pele frouxa sobre às carnes.
A carne frouxa sob a pele.
Os olhos sem brilho.

Como ter desejo por isso?
Como estimular os instintos?
Como amar algo assim?
Como erigir o próprio instrumento?

A resposta está nos olhos.
Estes órgãos dos sentidos, 
Que nos traem, nos privando
Do amor imaterial.

Todo corpo vivo tem calor.
Tudo o que tem calor
Pode ser amado.
Tudo o que pode ser amado
Transcende a razão e aos sentidos 
Que nos enganam insidiosamennte.

Todo corpo, independente
Do tempo,
Pode e deve
Ser amado.

Amar é amar a essência
Jamais a superfície.

quinta-feira, 16 de abril de 2020

História II

... continuamos o meu caminho
De mãos dadas, nós três.
Eu esperançoso e sozinho
A procura do amor que perdi.

Vagando aqui e ali me deparei 
Com novos amores evanescentes,
Repentes de esperança,
Expectativas e calores.

Tantos nomes tinham 
Meus amores!
Tantas Veras e Marias
Divas, Lúcias, Luzias

E tantas outras e
Em tantos outros colos procurei,
E em muitas outras vidas encontrei
O amor que me fugia.

De tanto perder o amor
Que eu queria adquiri o vício
De perder quando o encontrava...
E perdia.

E assim ia eu pela vida
E a vida ia.

quarta-feira, 15 de abril de 2020

História I

Quando eu conheci o amor
Ele tinha cheiro de leite,
Fazia barulhos de anjos
Movia o céu.. pra cá...pra lá...

Um dia o amor foi embora
E eu me vi pela primeira vez.
Fazia frio, estava nublado
E conheci a solidão.

Eu e ela saímos a procura 
Pelas estradas duras e tortuosas,
Duras estrada onde calejei a alma,
A procura do amor fugidio.

Quando o reencontrei 
Ele se chamava Joana. 
Tinha um cheiro bom
E longos cabelos negros.

E o amor passou por mim
E se foi, me deixando
Mais uma companheira,
Companheira incômoda,
A esperança.

Éramos eu, a solidão e a esperança.
Uma pesando nos meus ombros
E a outra me empurrando pela vida
A procura do amor que perdi.

E cá estou.

quarta-feira, 4 de março de 2020

Mar...

Só amamos o que não temos
E não temos o que é mistério.
Vasto, infinito império
Daquilo que não sabemos.

Nos move o que procuramos.
Sem  procura, não vivemos.
Ao saber demais, morremos.
Conhecendo, não amamos.

Amores, infinitos oceanos.
Profundos, escuros abissais.
Tormentosos, angustiantes, terminais.
Navegaveis para homens insanos.

Singrar-te, revolto mar
É viver por amor...
E morrer por amar.






Asfalto

Negro, rígido, denso
Forte impávido pastoso
Cobre o solo que piso
Ando e passo e penso.

Tudo tão igual e tranquilo
Liso, quente, escuro
Ervas, terras e muros
Transito eu, sobre aquilo.

Mas eis que a calma se quebra
Na falha, no furo, ponto fraco
Do sólido negro se destaca
Um impertinente, saliente buraco.

Piem, aves em meus humbrais!
(Obrigado Allan Poe)
Gritem letras de jornais!
Jorrem dinheiros sempre mais!
Destaquem-se abutres...e pardais!

(Para Ana, imprensa 🌹)