domingo, 16 de abril de 2017

Domingo

Hoje eu queria uma estrada daquelas de sítio,
Feita de chão batido e buracos de enxurrada.
E queria por na estrada
Os meus velhos pés amantes,
De amores próximos e distantes.
Amores que tenho e já
Não tenho.
Queria andar fito no horizonte,
E um sol de inverno queimando na fronte,
E perfume de frutas de época
A lembrar-me infância.
Não quero pensar em distância.
Prefiro pensar que, a cada passo, abandono às dores
E deixo pra trás os amores
Que às mesmas dores causaram.
Quem sabe essa estrada existe!
E me espera com o seu sol triste para quando vier a coragem.
E, quem sabe, um dia, da
Margem eu  levante
E juntando coragem o bastante
Eu consiga largar a saudade,
Daquilo que, por minha vontade
Ainda estaria comigo.
Porque a saudade é um precipício cujo fundo
É o desperdício do amor
Desperdiçado.

sábado, 15 de abril de 2017

Partícula

Hoje eu acordei mais tarde.
E me percebi sozinho.
Eu, meus pés e o caminho.
E o tempo sem fazer alarde.

Hoje eu acordei mais tarde.
E me notei indivíduo.
Me senti  mais assíduo.
Na minha própria saudade.

Hoje me levantei mais tarde.
E me lavei, e me levei pra fora.
Pois já era adiantada a hora.
De ter eu com a verdade.

Hoje  acordei  singular.
E apesar da multidão.
Fui ao campo semear.

E porque hoje acordei sozinho.
Fui semente, pé e espinho. 

domingo, 2 de abril de 2017

Andes

Descobri que sou outonal,
De espírito andino.
E pelos caminhos por onde andei
Sempre procurei o meio termo.
Terminei me encontrando nas montanhas
Nem quentes, nem frias.
Quente mesmo só esse meu
Coração rebelde que insiste
Em se apaixonar por tudo.
Amo a queda livre e "indisciplinada" das folhas
E amo às palavras invisíveis
Mas inferíveis escritas nelas.
Tenho uma simpatia masoquista
Pelas despedidas nelas simbolizadas
E a saudade me atrai como
Às flores outonais atraem às minhas irmãs abelhas.
Aqui em cima, no frio e sob a luz nostálgica
Do sol tardio,
Dou asas a saudade dos amores que não amei,
Pois, os que amei e amo
Nunca me deixaram.
Sou andino e patagonico.
Sou fruto e semente do outono.
E, ao chegar o último sono,
Rirei eu, do amor, irônico.

Eu tentei te abandonar mas tu não me abandonaste, doce demônio.

Abril de 2017, outono.