terça-feira, 28 de junho de 2016

Ovos mexidos

Bêbado e feliz eu digo:
Bem dito seja Baco,
E todo vinho
De toda espécie.
E bendito seja o cheiro de
Forno quente num dia
De inverno que exala
Da panela.
Estou ébrio de vinho,
E do cheiro do teu sexo
Num sábado de manhã.
Bem dito seja o teu hálito
De hortelã.
E a sua pele temperada pelo tempo,
E a sua roupa,
Tão característica,
Tão amassada.
Bem dito seja o cheiro do café
E o som da sua voz a elogia-lo.
Bem ditas sejam às horas
Que nos beneficiamos
Com às nossas presenças.
Bem dito seja o chão que
Pisamos juntos.
Que deles floresçam toda
Vida vegetal e às suas curas.
Bem ditos sejam os espermatozóides
Do meu pai por terem me deixado passar
Para que, um dia, eu pudesse amar você.
E que nunca, em nós, falte sal e pimenta. 

Bem dito seja baco e todo vinho de toda espécie.

segunda-feira, 27 de junho de 2016

Luto

À zero hora você se foi.
Ao som de um exagerado não,
Seguido de imperceptíveis pequenos nãos,
A volta do teu santo nome.

Às cinco horas adveio o fogo
Voraz e tempestuoso seguido do teu pecaminoso nome
E ouvi de mim maldições e inúteis ameaças
Contra o meu próprio desejo.

Às dez fui ao mercado ter com Deus
Ou com qualquer divindade.
Queria trocar qualquer coisa
Por teu valioso nome.
Ouro que escoa entre ósseos dedos.

Às quinze me vi sozinho e nu.
Criança cuja mãe ficou louca
Ou morreu de amor me negando o seio.
Ou cujo pai foi à guerra.
Eu e o nada, nada eu.

Às vinte abri uma janela sem perceber.
E fez-se a luz.
E me fiz espírito pairando sobre os mundos
Num trocar de lugar num sonho.
E recebi meus amigos
E entoamos hinos fúnebres alegremente.

Agora vou dormir o sono dos amantes,
Pois a hora é chegada.
Quero acordar no jubiloso dia
Onde vencerei a morte,
Seja do amor ou da carne.
E não haverá despedida.

Em memória de tudo o que morreu contra a minha vontade.

sábado, 25 de junho de 2016

Intraduzível

Eu dentro de mim
Caminho,
E ouço os ecos dos meus passos.
Caminho
Por veredas que vou construindo.
Caminhos
Impostos pelo passado,
Cujo pecado
Foi, passivo,  ter aceito .
Caminho.
E  converso comigo
Um discurso que eu não escrevi.
Caminho
E desejo .
O desejo é o caminho,
E o que move o caminhar.
Caminho,
E lá fora ruge aquilo que não é ideal.
Caminhos conflitantes.
Caminho só.
Eu e alguém que mora em mim.
Vil inquilino que me deve
O valor da morada.
Caminho só e caminho.
Caminho
Em direção à noite
Que me espera lá fora.

terça-feira, 21 de junho de 2016

Nec mater

Teu amor é corrente que prende os meus pés.
Doces grilhões de calor e leite.
Todos os dias te sepulto
Um pouco, um átomo.
E um pouco me esqueço
Do que és.
Mas todos os dias ao ninho torno
Para desafiar-te:
Abandona- me de vez!
E na sua imensidão absoluta
Ris de mim, criança.
Toda mulher ès tu.
Queria que fosse Madalena,
Não Marias.
Queria possui-la sem
Que fosse eu herege
Apenas no meu mundo.
Todos os dias procuro o
Seio que me negas.
Excluído, tento excluir a fome,
E tento viver e adormecer
Sem a tua voz que me embala,
Brisa suave no calor desértico,
Raio de sol no frio glacial.
Todos os dias te sepulto
Um pouco fora de mim,
Mas das tuas cinzas e
Das minhas lágrimas renaces.

Retorno sempre ao eterno retorno.

quarta-feira, 15 de junho de 2016

1.440

Meu primeiro pensamento
O calor da tua pele
E a primeira ausência
O primeiro lamento.

Procuro alguma memória boa
E ressoa o teu nada sonoro,
O tempo me impele
Nas brumas de sonolência.

Desejo o sono eterno que me protege
Do seu não estar,
De um doloroso acordar
Sem você aqui.

Digo em mim o teu nome como um herege
E o desamparo guia os meus olhos
A procura de formas que me levem a lembrar
Da tua imagem.

Ando a ver miragens,
Imagens de passados tempos
Que desejo fossem futuros
E não escuros anseios.

Procuro-te por toda jornada
Do sol, sobre mim, implacável
Espera fiel e irredavel
De um aceno de ti, amada.

E finda à vida do dia
E vindo tua morte, a noite
Desejo o sonho que torne
O nada em tudo
E o tudo em nada.

Eu inconsciente

Um vasto deserto com várias portas.
Dentro de mim voam areias,
Memórias que batem janelas de cômodos que nunca visitei,
Mas onde já vivi.
Deserto que sei, cheio de gavetas trancadas.
E às chaves às tenho.
São imagens difusas,
Desfocadas.
Fantasmas de areia que me assombram
E pelos quais ergo muralhas de ilusão e medo.
Imagens e sensações.
Um oásis, manancial de luxúria, me segue de longe.
Nunca o alcanço, miragem.
Um grande deserto de areias memoriais.
Lá está o momento em que me percebi.
E me tornei anjo caído por ter desejado o sexo maternal,
E por ter o parricídio como lema.
Eis-me diante do infinito deserto meu.
Gigantesco e distorcido espelho.
Nele me vejo em sonho
Ou naquilo que não me lembro.

segunda-feira, 13 de junho de 2016

Moto-perpétuo

Invente, alguém atividade,
Que possa, eu, pratica-la
A fim de, à vida, esquece-la
E esquecer, assim, a saudade.

Da-me, ó Deuses, o movimento
Eterno e alienante,
Que apague, em mim, todo o instante
Que possa lembrar sofrimento.

Corram pés meus, corram!
Batam com força o chão
Façam de cada passo um NÃO
Às mágoas que, em mim, 'inda choram.

Mova-se corpo, de sorte
Que não haja nunca mais lembrança
E que viva em mim a esperança
Do breve abraço da morte.

Não hajam, então,  mais amores
E que torne-me, eu, vazio
Que possa viver o estio,
De tempestades de paixões,
E dores.

Amar é auto flagelar-se.

sábado, 4 de junho de 2016

Aokigahara


Estou indo para a floresta de Aokigahara,
Fria, aos pés do vulcão,
Com os pés descalços
Calçados com culpas.

Onde esculpirei em suas pedras frias
Uma apologia ao fracasso,
Coberta por verdes musgos.

Vou morar nas cavernas de Aokigahara,
Eterno inquilino das montanhescas entranhas.

E me vestirei do gelo de Aokigahara,
Ultima veste de alguém sem corpo.

Andarei pelas trilhas escuras de Aokigahara,
Falando aos atormentados espíritos
Das causas não físicas das tormentas.

Serei lembrado pelos feitos em Aokigahara
E lentamente serei esquecido,
Como me esqueci ainda em vida.

Aokigahara é a morada daqueles que viveram sem
Nunca terem nascido.
É onde ha sentido
Para vidas sem sentido.

quinta-feira, 2 de junho de 2016

Definição

Qual o tamanho dos meus passos
E onde posso chegar
A envergadura dos meus braços
E a quem posso abraçar

Quanta luz ha nos meus olhos
E o que posso ver
Qual o tamanho da dúvida
E o que posso saber

Qual a minha utilidade
Que define o que sou
Quantos são os nortes
Que me levam onde vou

Quem sou eu
E quanto sou
E quando sou
O que é meu

Quanto eu amo
E devo amar
A quem amar
Amo aquém.

Defino ou serei devorado.

quarta-feira, 1 de junho de 2016

Cobiço-te

Angústia de amor infinito,
Te amo por tua beleza
E dedico-te minhas tempestades hormonais,
E toda insônia desejável
Em prol de aproveitar-te.

E em torno de ti gravito.
Admiro-te toda riqueza
Formas, curvas e linhas
Imutáveis, atemporais.
Do próximo ao inatingível,
Desejo de possuir-te.

Amo o solo que tocas
E a saliva doce da sua boca.
Amo-te desvairado,
Como se fosses unica.
Enciumo-me dos teus olhos
Que vêem tudo, além de mim.
E desejo ser o centro do teu centro.

Não quero perder-te de vista e de posse.
E tudo do teu mundo quero perto.
E nem por um momento
Sequer que fosse,
Estarei, eu, por outro objeto, desperto.

Amo-te?
Meu Deus, não!
Te invejo.