sábado, 31 de dezembro de 2016

(31/12/2016)

Hoje abri armários e gavetas.
Deixei sair os fantasmas anuais
E seu séquito de lembranças,
Remorsos e dúvidas ancestrais.

Abri velhas pastas de conteúdo conhecido e incerto.
Cada papel trás um momento,
Uma encruzilhada numa estrada
Que poderia ter me levado a outro
Lugar.
Ou ao mesmo deserto.

Onde estaria eu se tivesse me negado?
O que seria de mim agora, se
A demora fosse pouca?
Ou, se muita, quanto seria?
Tomaria, eu, o caminho errado?
Ou o certo reconheceria?

Quantas presenças adiei? ( penso
Enquanto uma velha fotografia
Cai aos meus pés.)
Quantas desprezei e hoje me
Arrependo.
Quantas perdi ou me perderam
Por um ou outro insano revés?

Penso, rumino e peço perdão às paredes.
Separo aquilo que já não me dá
O prazer masoquista da dor.
Guardo aquilo, e apenas aquilo
Cujo perdão ainda não veio.
Fecho às portas dos armários,
Me visto para às festas
E vou semear mais um campo
Com novas saudades.

quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

Novissimo die

Não existe o tempo,
Esta humana criação
Que me tira o sossego
Com o som do carrilhão.

Mas, ao inferno com a métrica,
Porque a métrica
Também é criação de homens
Que,
Cheios de labores,
Escondem, nas suas criações,
Medo, covardia e vaidade.

E voltemos ao tempo.

Que não existe, eu juro,
Mas que ruge como e,
Com o vento por trás do
Muro,
Que esconde o campo
Onde me confino
Com o fim de me esconder
Da morte,
Que, quiçá, virá do norte...
Que também não existem.
(Nem a morte e nem o norte)

Insisto então,
Para que,
Para quem e,
Porque o tempo
Que me torna um
Anão
Diante de tão grande instância?

Acho que estou me repetindo
E você perde tempo
Lendo tão insanas conjecturas,
Mas, ao perder algo que não existe
E que, em existir insiste
Apesar do pesar e da impossibilidade,
O que procuras?

Não ha mais tempo,
O passado é memória,
O futuro é hipótese.
Só no hoje há a glória
Da construção do agora
Que, no futuro se tornará...
História.

Feliz ilusão do ano novo.

E que em 2017 o amor dissolva o tempo.

Estigma

Sou alma antiga
De princípio,
Não fim.
Sopro que o universo
Abriga.

E, em meus caminhares
Vivi e morri,
Por mãos de
Inumeráveis algozes.

Obtive, usei e devolvi
Incontáveis vestimentas.
Impunhei sem número
De punhais.
O chão de mil terras
Fendi.

Tudo sempre foi
Transitório
Como o trânsito
Entre vidas.
Glória do inglório.

E o sentido de tudo
É tão longe!
Como longe é,
A fé
Do herege.

Mas desde que,
Da chama divina
Me fiz,
E desde quando
Os Deuses teceram
A minha sina,

Eu amo amores
Que nunca devolvi.
E os escondi,
Onde, de demônios,
Jamais se ouvirão
Invocações,
é clamores.

E, dentro de um vaso dourado,
Dentro do meu coração,
E lacrado,
Entre tantos e tantos
outros amores....

Está o meu por ti...para
Os confins dos séculos
E séculos,

Amém.

segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

Vinicius

Que o poeta não se zangue mas,
Eu discordo...
Não é preciso viver um grande amor.
Todo amor deve ser grande,
E todo amor deve ser o grande
Amor dos vários grandes amores
De uma vida.
Deve haver o desejo de numerosos ou,
Insanamente infinitos em número.
E digo mais!
Todos devem doer muito e devem
Prover a possibilidade de se
Infringir dor, pois todo bom amante
Deve ser sádico e masoquista.
E reitero!  Que não se espere, no amor, a felicidade como conquista.
O amor, o verdadeiro amor, deve
Trazer noites mau dormidas,
Ciumes abruptos e irracionais,
Encontros às escondidas.
Todos os amores serão abrasadores,
Ao ponto de nos arrancar a pele,
E deve nos dar os prazeres da
Carne viva,
Para que cada brisa seja sentida
Como um furacão.
E todos os grandes amores de uma vida
Devem ser uma sucessão,
de sustos.
Amor tranquilo?  Vã ilusão,
Ou triste desperdício!
O amor, para ser amor, deve nos dar
A eterna e irresponsável adolescência.
E o sofrer como impulso para a
Doce e inexplicável dependência.
Amar é ferir-se por amor a ferida. 

quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

Oniciente

E me sentei sobre uma pedra
E o mar em rebentação
Mostrou-me a vida numa tela,
Feito uma vela de uma   
Velha embarcação.

E na imagem a minha frente
Vi muita, muita gente
A sentir dor e a fugir.
E passei a inquirir sobre
O porquê daquela existência
De prazer e dor?
Então uma voz me respondeu,
"Experiência! "

E é isso que a vida me dá,
E ai está,
O seu sentido.
O sentido da vida é me dar
Experiência.
Para que tudo o que posso evoluir,
Estando em latência,
Venha a emergir.

Assim, mostraram-me às ondas,
Que tudo o que é em torpor
Torna-se em atividade com
O prazer e a dor
E mesmo a passividade,
Em verdade, está prenhe de labor util.

Nada, nada é fútil.

E o sal do mar, alma das marés,
Ao tocar os meus pés me mostrou
Que sou viajante movido por eventos
E, assim como os ventos que
Levam a embarcação,
Movo-me sempre em frente
Na evolutiva direção e,
Jamais a deriva.

E os cardumes e revoadas de
Espécies marinhas
Me mostraram o modelo de
Agrupamento
No qual comigo viajam
As amadas almas minhas, às quais,
Algumas eu levo pelas mãos
E outras pelas mãos me levam
Em ascese e continuo movimento.

Percebi, então, que é inútil a tristeza,
E para ela não há sentido pois,
Por mais vidas que se tenha vivido,
Estaremos sempre juntos, com certeza.

Jamais nos perderemos.
Eternamente viajaremos pelo
Tempo, matéria e espaço,
Como que unidos por um laço
Do mais fraterno amor.

Assim, não chore pela sorte
Daqueles a quem a irmã morte
Aparentemente levou.
A morte é uma porta que se abre
Para novos mundos que o
Nosso Deus criou. 

A morte? A morte é uma amiga imaginária!