sábado, 28 de dezembro de 2019

Recluso

Acho que deveria falar
Pois passa o tempo.
Mas e se o som da minha voz
Derrubar o castelo de cartas?

É hora de dizer
Pois o tempo passa.
Mas e se às palavras
Se voltarem contra mim?

Urge o ato de expressar
Algo que em mim é calado.
Mas e se você não notar
Que eu estou aqui?

Em cada palavra dita 
Há muitas outras ocultas.
E se os corpos deixarem escapar
Aquilo que escondemos?

Se cada um tivesse um arroubo de coragem
E mostrasse, nu, ao outro a sua metade
Talvez, então, o tempo, miragem,
Parasse antes que ja fosse tarde.

(Em memória de tudo aquilo que não tivemos, por medo)

29/12 in-verso

Algumas coisas deveriam ficar congeladas no tempo,
Como os astros imutáveis se movendo.

Sempre a mesma órbita previsível,
Trazendo a sempre previsível segurança.

Em todas as noites haveriam luzes de Natal.

Todas às horas trariam os júbilos da meia noite.

Repetidas vezes sentiríamos os braços a nós abraçarem.

E o cheiro das comidas feitas por mulheres transbordantes de amor.

Haveria descanso do trabalho em todos os dias seguintes.

E ficaríamos acordados até tarde como crianças sapecas.

A alegria dos presentes debaixo da árvore se renovaria,
Assim como às promessas e esperanças.

A loucura e o caos seriam os feriados.

A pressa e às obrigações seriam eventuais.

E, para ninguém dizer que me esqueci da rima...
Quase todos os dias seriam natais.


terça-feira, 24 de dezembro de 2019

Insosso

O amor perdeu a graça,
Aliás, nunca teve
Jamais disse algo.
Discreto, nunca fez barulho.
Veio com roupas comuns.
Se misturou a todo mundo.
Não fez alarde.
Entrou pela lateral.
Até foi confundido mas,
Desfez logo o mau entendido.
Cheguou atrasado.
Bem depois da paixão.
Essa sim, barulhenta!
Ficou de longe olhando.
E só se aproximou
Quando a rua já era vazia.
O amor não roçou em ninguém.
Teve demasiado cuidado.
Comeu apenas o que lhe foi oferecido.
Se serviu sozinho.
Não acendeu novas luzes.
Jamais deu frio na barriga.
Apenas ficou ali, ouvindo,
Sem dar opiniões.
Sentou-se no fundo da sala.
Fingiu ler um livro.
O rosto tranquilo e inexpressivo.
O amor ficou alí.
Ouviu a música.
Viu a dança.
Saiu para a varanda.
Acendeu um cigarro.
Esperou a festa acabar.
Foi até o carro.
Pegou a sua mala.
Escolheu um cantinho.
E ficou.

segunda-feira, 23 de dezembro de 2019

Mordaça

Tenho um balão dentro do peito
Preso por um fio ao meu juízo.
Há uma mola toda encolhida
(Potencial cinético de um cio)
Pronta a me lançar no paraíso
De um colo quente e macio.

No meu coração ha um barco
Carregado, pronto pra partir.
Livres das âncoras pesadas.
Tendo  um porto p'ronde ir.
Com velas tesas e enfurnadas.

Há, em minha frente mil portas.
Grávidas de possibilidades.
Um oceano de satisfação de desejos,
Contrastando com o meu céu de vontades.

Estou diante de um enorme banquete.
Mesa infinita e infinitos pratos.
Iluminada por infinitos lumes.
Desejosa de infinitos atos.

De longe meu corpo olha o seu corpo.
De longe o seu olha o meu.
E dançamos em incontáveis fantasias.
Onde nos devoramos, vorazes, incansáveis.

Mas temos medo.