sexta-feira, 13 de novembro de 2015

O fantasma do meu pai - III

A contribuição das sombras paternas sobre a construção de padrões comportamentais.

O medo como entrave nos ritos de passagem

A criança que não quer crescer.

Ha em toda sociedade ou grupo humano os ritos de passagem.  Acontecimentos que marcam a passagem do indivíduo de um estado a outro. A criança passa da infância a idade pré adulta onde começa a ser treinada  a assumir responsabilidades que a levarão a ser aceita e respeitada no grupo como um membro efetivo e útil.  Os indivíduos deixam a vida de solteiros e, após o rito de passagem (casamento), tornam-se um casal assumindo as responsabilidades e comportamentos que os caracterizam como "não solteiros". Os velhos entregam às suas posições e responsabilidades assumindo a imagem daqueles que se preparam para deixar a vida.
Na verdade eu imagino que todo limite de tempo, aquelas "ocasiões especiais", são ritos de passagem que nos permitem sentir o tempo que passa.  É como se estabelecessemos um "lugar" onde aquela sensação do momento ficasse congelada tornando-se um marco do antes e do depois.
Ritos de passagem a meu ver, são também,  característicos de outras espécies além do homem.  O ato de "desmamar" ou o abandono do filhote são exemplos de ritos de passagem.
Toda essa complexidade que a natureza da a esses ritos  prova a sua importância e mostra que a natureza quer que às espécies evoluam e cumpram o seu papel, ou melhor, o papel que ela designa.
Imagino portanto que, na dinâmica do desenvolvimento como ente natural, tem sucesso ou é "feliz" aquele que passa por todos esses ritos.
Um indivíduo que não passa por estes ritos de passagem fica preso num momento da sua história psíquica enquanto o seu corpo evolui.  É como se o homem fosse um instrumento musical que necessitasse de afinação.  O desenvolvimento seria, desta forma,  uma "regulagem" ou "ajuste" continuo entre desenvolvimento fisico e psíquico.
Ora, temos aqui, com relação às influências dos pais sobre os filhos, um paradoxo.
Numa relação natural ou seja, numa relação pais/filho onde os desígnios da natureza são respeitados, os pais amarão ao filho como a sua perpetuação e como à sua obra de arte.  Desta forma,  amarão ao seu filho desejando-lhe o melhor e o prepararão para a vida cônscios de que as situações impostas pela vida trarão dificuldades ao filho e ele deverá adaptar-se a elas.  Amorosamente ensinarão ao filho a enfrentar às adversidades da vida. Farão ele entender que ser feliz é adaptar-se, agir com inteligência, seguir a ordem natural da vida e , acima de tudo, o tornarão auto suficiente para que ele possa construir-se como uma obra de arte.
Porém, entre nós animais culturais ou seja, animais que vivem num meio artificial que foge a ordem natural, a situação é mais complexa.
Acredito que, numa sociedade cuja distância entre o homem e a natureza seja tanta que o homem já não se reconhece como parte dela e já não percebe a sua dependência e subordinação, nenhum indivíduo possa ser absolutamente saudável.  Todos temos alguma distorção em nossas rotas, distorção essa que caracteriza a artificialidade do mundo que criamos. Estas distorções geradas por essa artificialidade  mantém o homem em profundo e constante conflito com o mundo.   Naturalmente herdamos dos nossos pais às distorções deles, as desenvolvermos e transmitimos aos nossos filhos. Desta forma é de se esperar que as relações entre pais e filhos tendam a criar, para o filho, uma imagem relativamente distorcida da vida tornando o seu comportamento com relação à ela também distorcido.
Lamentavelmente uma das características das relações humanas, já que artificiais, são os extremos ou a instabilidade que dificulta à criança a formação da sua personalidade. 
Numa relação em que os pais super protegem ao filho ou lhe dão conforto excessivo e, ao mesmo tempo, o amedrontam com relação a vida com a intenção de protege-los a criança tende a não abandonar a infância desenvolvendo um comportamento infantil e "birrento" enquanto o seu corpo se torna adulto.  Para este adulto/criança a vida é uma sucessão de contrariedades.  Por outro lado este adulto / criança é algo estranho à natureza e, em função disto, vive em constante conflito com o mundo.  Para ele o mundo lhe é antagônico e incompreensível e para o mundo ele é um corpo estranho.  Este indivíduo procurará a felicidade como se fosse merecedor sem o esforço necessário para construir-se. Desejará o bem estar como uma criança mau educada deseja um brinquedo numa loja. Ele não percebe que, entre o desejo e a aquisição de algo, ha uma fase em que ele deverá mensurar os custos e deverá "pagar" pelo objeto ou objetivo desejado.
Ora, é óbvio que, nesta relação desnaturada com o mundo o homem, por ser infinitamente menor que o mundo, tende a doença e ao sofrimento. Este adulto/criança não percebe que o sofrimento, a luta e a competição são parte da vida e que viver é, também, sofrer, lutar e competir.  Desta forma este indivíduo simplesmente não aceita a vida e não admite a sua pequenez diante dela e sofre. Como uma criança teimosa ele repudia todas as formas de felicidade que lhe é oferecido porque vê a aceitação deste bem como um ato de libertação que lhe afastará da segurança oferecida pelos pais. 
Ele cultuará os seus fantasmas e assumirá um personagem trágico criando para a sua vida uma imagem de um mar de sofrimentos potencializando esta imagem com atitudes boas como um bom filho que se sacrifica para alegrar aos pais com medo do abandono.  Para satisfazer e legitimar (pelo menos para si) o personagem infantil ele criará em torno de si um ambiente com características infantis.
Assumirá comportamentos infantis dando livre vazão ao egoísmo, ciumes, crueldade, intolerância e profundo arrependimento perante às suas atitudes.
Sofrerá, principalmente, com o diálogo conflitante entre a criança que deseja ser e o adulto que o mundo exige que ele seja.  Para ele toda responsabilidade será dolorosa e ele desejará sempre alguém que lhe faça o papel de pai.
Como já mencionei, eu creio que o equilíbrio pode ser alcançado ajustando-se às instâncias psíquica e física criando-se "ritos de passagem" que "atualizem" o homem.  É claro que não creio em algo que traga a cura externamente mas creio sim, na auto cura ou seja,  creio que o indivíduo pode ser orientado para o equilíbrio mas de forma que ele se equilibre com às próprias capacidades.  Só assim ele partirá do princípio de que ele é o artífice de si mesmo.
Só assim o meu pai poderá descansar em paz.

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