sábado, 29 de agosto de 2015

A contradição do trabalho

A natureza é um ambiente inóspito.  A sua dinâmica é dura, sem emotividade e tirânica.  A natureza não negocia.  Tudo acontece como deve acontecer segundo a sua vontade.  Aquilo que vai contra ela ou aquilo que não lhe serve está fadado ao sofrimento e ao desaparecimento.
O homem, munido da razão, aprendeu isso e se revoltou.  O livro de Gênesis da Bíblia cristã e outros saberes discorrem sobre isso e, discorrem sobre como o homem se revolta contra essa tirania e cria um caminho antagônico. 
O homem, não aceitando de forma fatalista o jugo da natureza,  tenta, desde a sua aurora, criar um mundo para si apartado dela. Alias, diga-se de passagem, o "revoltar-se contra o jugo" parece ser característica muito humana.
Desta forma, o homem deixou de ser uma engrenagem da maquina natural e assumiu, como objetivo maior, o afastamento em todas às instâncias das suas origens.
O veículo de afastamento do homem é o trabalho, o grande criador da cultura.
Mais ainda, para se afastar da natureza,  visto que o homem sempre teve a consciência da infinita grandeza do mundo confrontada com a sua própria finitude e impotência, constroi ele uma interpretação limitada ou, uma visão diminuída da natureza adaptada a sua pequenez.  Desta maneira, o homem forçou-se a esquecer o tamanho daquilo que lhe originou e criou uma imagem menor .  Uma imagem suavizada que não lhe causasse tanto medo.  Ainda assim, o homem, baseado na imagem diminuída da natureza, se propôs a "conquista-la" como se a natureza fosse algo que estivesse circunscrito ao seu quintal.
Mas o homem é um animal equivocado por natureza posto que sofre de inconclusão crônica e não percebe que ele está inserido no mundo e, tragicamente,  não pode dissociar-se dele. Assim como o filho que sai da casa do pai não deixa de ser filho, o homem, ao criar a ilusão do afastamento da natureza não deixa de ser produto dela e subordinado a ela.
O homem tem, em si, um conjunto de atributos e ferramentas que lhe permite cumprir com o seu papel natural.  Estes elementos atribuídos pela natureza estão sempre em ação e o homem sofre lutando para reprimi-los. Este é o princípio da dor humana. A dor e a constante e insone angústia do homem é fruto da sua revolta contra às suas origens ou, como prefiro pensar, é o chamado da natureza para o seu retorno a ela. Toda doença existencial nasce da cultura e cultura é um nome elegante para a revolta e a rebeldia da "criança/homem".
O homem é obrigado a viver duas existências, a saber,  a existência que ele arquitetou, ou seja, a existência artificial e a existência sustentada por todo um aparato natural sejam instintos, pulsões e automatismos irresistíveis.
Já que esse aparato lhe é impingindo pela natureza e, já que a natureza é infinitamente maior,  o homem se vê cumprindo de forma sofrida os seus desígnios e se vê eternamente humilhado e em queda.
O homem se debate diante de algo muito maior e está condenado a derrota e a este "estar-se condenado a derrota" que lhe serve de manto, um manto fino e esburacado, que ele usa para se proteger da tempestade que ele mesmo cria.
Vejo para este drama dois desfechos possíveis:
Ou o homem desaparecerá ou, já que a natureza julga a continuidade da vida pela resistência e persistência, o homem vencerá induzindo a natureza a lhe criar as condições propícias para a felicidade.
Eu aguardo, confortavelmente instalado no meu camarote.

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