quinta-feira, 2 de abril de 2015

Retirante

Hoje, da janela do meu quarto, me vi passar.
Ia devagar, carregava uma velha mala, uma folha de papel e um lápis.
Me achei estranho, meio triste,  meio alegre.
Um meio termo,  duas metades de um mesmo homem.
O que unia às duas metades eram a mala, o papel e o lápis.
Num arroubo de coragem, vencendo o medo do ridículo,  me chamei.
Estranho este ato, chamar a mim mesmo.
Nem me olhei distraído que estava.
De vez em quando parava e olhava para trás como se tivesse esquecido algo ou, como se alguém me chamasse.
Talvez eu tivesse esperanças de que assim fosse.
Depois voltava a caminhar devagar como se fosse imortal, como se soubesse da impossibilidade do tempo. 
Assim, parado na janela do meu quarto,  eu me via indo embora.
De vez em quando eu parava e escrevia alguma coisa ditada por alguns dos fantasmas que me acompanhavam.
Seres transparentes,  alguns alegres outros tristes,  lembranças, resquícios de uma vida intensa.
Um cachorro latiu, como quem diz "já vai tarde".
E eu fui, com vontade de ficar.
É uma enorme responsabilidade e uma grande violência ir embora.
Queria que nós dois fossemos vizinhos de janela.

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